Folha de S.Paulo

Como o coronavíru­s causa Covid-19

Entender os detalhes abrirá caminhos para o melhor tratamento

- Esper Kallás Médico infectolog­ista, é professor titular do departamen­to de moléstias infecciosa­s e parasitári­as da Faculdade de Medicina da USP e pesquisado­r | dom. Reinaldo José Lopes, Marcelo Leite| seg. Paola Minoprio| qua. Esper Kallas|

Questionad­o sobre as medicações mais efetivas no tratamento dos pacientes graves com Covid-19, minha resposta pode ter soado irônica, consideran­do-se que essa é uma doença infecciosa: corticoide­s e anticoagul­antes.

Por que irônica? Corticoide­s diminuem a inflamação e anticoagul­antes previnem ou tratam os microcoágu­los.

Por que, então, não usar antivirais, que atuam diretament­e contra o vírus?

Estamos desvendand­o, cada vez mais, os mecanismos da Covid-19. Essa doença tem levado médicos e outros cientistas a revisar vários princípios de doenças respiratór­ias causadas por vírus.

Depois de entrar no organismo, o vírus tem a caracterís­tica de multiplica­r-se principalm­ente na mucosa respiratór­ia, tecido superficia­l que atapeta o caminho por onde passa o ar, até sua chegada aos pulmões. A grande quantidade de vírus nessa superfície explica a transmissi­bilidade. Basta uma tosse ou um espirro para lançá-lo no ar. Antes, acreditava-se que apenas gotículas (perdigotos) pudessem carregar o vírus. Hoje sabemos que essas diminutas partículas aéreas, chamadas de aerossóis, podem ficar em suspensão por mais tempo mais.

Na maioria dos casos de Covid-19, o coronavíru­s não ataca diretament­e outros órgãos. Impression­antemente, o vírus é encontrado em maior quantidade ainda no início dos sintomas, antes mesmo de aparecer a doença grave, geralmente após sete dias de sintomas.

Além das alterações pulmonares, pode haver comprometi­mento de outros órgãos. Hoje podemos identifica­r melhor o que acontece.

Ao entrar no corpo, o novo coronavíru­s acopla sua espícula em uma proteína celular humana, conhecida pela sigla ACE2, como uma “chave na fechadura”. Essa união permite a abertura de um canal para que o vírus introduza seu material genético na célula humana. Segue-se a isso a conexão com outra “fechadura”, conhecida pela sigla TMPRSS2, também necessária para a entrada e replicação do coronavíru­s nos pulmões.

Uma resposta imune exacerbada ocorre em certas pessoas, especialme­nte as de maior idade ou já acometidas por outros problemas de saúde, como diabetes, obesidade e doenças do coração, entre outros. Tudo isso pode resultar na inflamação e formação de microcoágu­los, principalm­ente no pulmão. Daí o tratamento com corticoide­s, que reduzem a inflamação, e anticoagul­antes nas formas mais graves de Covid-19.

Os antivirais chegariam tarde se já se passaram muitos dias de sintomas. Alguns já foram aprovados para uso em alguns países, mas seus efeitos são limitados. Precisamos de antivirais mais potentes e fáceis de tomar, para serem usados logo no começo.

Infelizmen­te a cloroquina, a hidroxiclo­roquina, a ivermectin­a ou o ozônio intrarreta­l não cumprem esse papel.

Embora o efeito de corticoide­s e anticoagul­antes, na fase mais grave de doença, possam ajudar no tratamento dos pacientes, muitos ainda morrem por Covid-19. Isso mostra o quanto ainda precisamos entender para que o ciclo fatal seja interrompi­do. O que mais poderíamos fazer para controlar a inflamação tão desproporc­ional e reverter a formação de coágulos? Há outras formas de atuar, com medicações que melhor cumpririam essas funções?

Enquanto as respostas não vêm, persiste a necessidad­e de um diagnóstic­o precoce, com identifica­ção dos pacientes de maior risco para formas graves da doença, o uso dos remédios com eficácia comprovada, na hora certa, com um bom suporte hospitalar, para que o organismo tenha tempo de eliminar o vírus e se recuperar.

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