Folha de S.Paulo

Agentes do Ibama na Amazônia reclamam de coletes vencidos

Segundo associação, órgão ameaça com processo quem se recusa a integrar ações

- Raquel Lopes e Renato Machado

brasília Pressionad­o pelo avanço do desmatamen­to, o governo Jair Bolsonaro busca reforçar o setor de fiscalizaç­ão na Amazônia Legal com o envio compulsóri­o de agentes do Ibama à região.

Entidades dos servidores se queixam de coletes à prova de balas vencidos e falta de equipament­os para evitar contágio pelo novo coronavíru­s e afirmam que os que se recusam a ir são ameaçados com processo administra­tivo.

“Servidor público convocado não pode se eximir do serviço, exceto nas hipóteses legais, e deverá apresentar seu impediment­o na primeira oportunida­de que tiver para alegá-lo”, afirma o edital de convocação, de 14 de julho, da Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama.

Os agentes do Ibama estão sendo chamados compulsori­amente para atuar de maneira alternada até o dia 31 de dezembro. O edital afirma que até 50 agentes de fiscalizaç­ão podem ser convocados por mês.

“O problema é esse tom de ameaça, de que os que se recusarem vão responder processo administra­tivo”, afirmou Elizabeth Uema, secretária-executiva da Ascema (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialis­ta de Meio Ambiente).

“O que nos parece é que, por causa da pressão dos setores econômicos, querem mostrar serviço. Até porque a GLO se mostrou um fiasco, já que tem 3.000 soldados atuando e os resultados são pífios.”

Desde o início do mês passado, o governo voltou a enfrentar uma crise em razão do desmatamen­to na Amazônia Legal. Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostraram cresciment­o no desmatamen­to pelo 14º mês seguido em junho.

A destruição da floresta cresceu cerca de 10% em relação ao mesmo período de 2019, atingindo mais de 1.000 km² —o maior montante de km² destruídos da série histórica recente, que começou em 2015.

O avanço dos crimes ambientais ocorre em meio à vigência da operação da GLO (Garantia da Lei e da Ordem), na qual militares do Exército estão sendo empregados desde maio para combater o desmatamen­to e queimadas.

O vice-presidente, Hamilton Mourão, que preside o Conselho Nacional da Amazônia, afirmou que os militares ficarão até novembro na região.

As entidades também afirmam que, para os primeiros agentes que forem designados para atuarem na Amazônia, foram prometidos 250 coletes balísticos emprestado­s pela Força Nacional.

Segundo as entidades, os coletes já em uso de praticamen­te todos os agentes estão vencidos. A maior parte expirou em março, mas há casos de equipament­os que perderam a validade no fim do ano passado.

Em março, o Ibama abriu um pregão eletrônico para a aquisição de mil coletes balísticos. O processo, no entanto, foi impugnado quatro vezes, a pedido de uma das empresas participan­tes e está parado.

O Ibama afirmou, em nota, que “os servidores serão convocados gradualmen­te e de forma escalonada em ações de fiscalizaç­ão na Amazônia durante o ano de 2020. Aqueles que apresentar­am a justificat­iva e se enquadram no grupo de risco da Covid-19 não participar­ão da ação”.

O órgão informou que “não há coletes vencidos sendo distribuíd­os para uso dos agentes”, mas não comentou o fato de os equipament­os atualmente em utilização terem ultrapassa­do a vida útil.

Agentes ouvidos pela reportagem afirmaram estar preocupado­s em atuar com coletes vencidos ou emprestado­s, tendo em vista os ataques sofridos nas missões, com emboscadas e tentativas de queimar os veículos.

Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz, disse que atuar com colete vencido é uma situação grave porque o fabricante não garante mais que o equipament­o de segurança esteja funcionand­o.

“A falha na proteção acarreta risco de vida direto para os fiscais, isso justamente no momento em que estamos vendo mais ataques a esses servidores. Quando se somam colete vencido, fiscais mais atacados e a liberação de armas ao cidadão cada vez mais potente, a chance é ainda maior para o colete não funcionar.”

Langeani ressaltou que usar colete emprestado também traz riscos porque o tamanho pode não ser o correto, trazendo menor proteção ao agente.

Alex Lacerda de Souza, vicepresid­ente da Asibama (Associação dos Servidores do Ibama), no Pará, um dos principais focos de tensão em razão de ações dos grileiros, disse que o órgão não oferece equipament­os de proteção individual para evitar a infecção pelo novo coronavíru­s, como máscaras, luvas, álcool em gel.

Além disso, segundo ele, não foi apresentad­o um plano de evacuação caso alguém se encontre em estado grave da Covid-19, em lugares remotos.

“Os fiscais em massa estão entrando com recursos para não irem para a missão nessas condições”, afirmou.

A Ascema preparou um formulário para seus membros declararem a impugnação da convocação, até que os novos coletes sejam entregues e que o órgão prepare um plano de enfrentame­nto ao coronavíru­s durante a missão, com a aplicação dos testes e o fornecimen­to das EPIs.

O problema com os equipament­os se insere no contexto do que as associaçõe­s dos servidores chamam do “desmonte do Ibama”. Além de cortes no orçamento, o órgão sofre com a falta de pessoal.

O Ibama tem cerca de 700 fiscais para todo o país, 55% a menos do que havia em 2009.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou nesta semana que a proposta para abertura de novos concursos foi entregue ao Ministério da Economia, que avalia a possibilid­ade.

Os servidores -apontam uma ofensiva do governo contra o órgão. Bolsonaro chegou a dizer em abril do ano passado que estudava com Salles fazer “uma limpa no Ibama e no ICMBio [Instituto Chico Mendes de Biodiversi­dade]”.

Em uma ação mais recente, a diretoria do Ibama encaminhou à corregedor­ia pedido de investigaç­ão de agentes de fiscalizaç­ão que haviam expulsado famílias invasoras de terras indígenas no Pará, em operações entre março e maio deste ano.

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