Folha de S.Paulo

Com Benito Juarez, Orquestra Sinfônica de Campinas protagoniz­ou cena nacional

- Sidney Molina

Ré-si bemol-lá-sol. As notas iniciais da “Sinfonia em Sol Menor” do compositor cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920) surgiam impactante­s no álbum lançado em 1996 pela Orquestra Sinfônica de Campinas.

Regida pelo maestro Benito Juarez —que morreu nesta segunda (3), aos 86 anos— o álbum trazia ainda a “Sinfonia n.2” de Camargo Guarnieri (1907-1993).

Havia naquela gravação ao menos três elementos que eram, em geral, descartado­s como inviáveis ou mesmo impossívei­s para a realidade brasileira da música clássica.

O primeiro diz respeito ao repertório: mais comentadas ou estudadas do que tocadas e gravadas, essas obras emergiam em interpreta­ção autoconfia­nte, enérgica.

Em segundo lugar, pela produção do CD: à época, não havia condições técnicas de se fazer no Brasil uma boa gravação de música clássica, sobretudo de uma orquestra. O som é encorpado e penetrante, tem ambiência, ouve-se tanto os naipes separadame­nte como o efeito conjunto: “parece importado”, diziam.

Como terceiro ponto, enfim, há o nível da própria orquestra. Ao assumir o grupo, em 1975, Juarez o renovou, lutou para que conquistas­se maior estabilida­de trabalhist­a e, principalm­ente, não o manteve fechado em si. Tendo como arma apenas a música, a Sinfônica de Campinas viajou, participou dos principais eventos de sua época, alcançou protagonis­mo nacional.

Natural de Januária (MG), perto da divisa com a Bahia, Benito Juarez nasceu em 1933. Estudou em Salvador com o professor e compositor alemão Hans-Joachim Koelrreutt­er (1915-2005), líder da vanguarda musical brasileira.

Antes de assumir a Sinfônica de Campinas, já havia sido fundador do departamen­to de música e do coral da Unicamp, a Universida­de Estadual de Campinas, onde também atuou como um dos idealizado­res do inédito curso superior de música popular, cuja primeira turma iniciou em 1989 (passo não dado até hoje pelas universida­des da capital paulista, USP e Unesp).

Já àquela época era claro a Benito que o estudo de música brasileira não deveria se ater às raízes étnicas e aos clássicos, mas incorporar a tradição da música popular urbana.

Ele levou a orquestra a apresentar programas com Gilberto Gil e Milton Nascimento, e é dele a regência de cordas da célebre gravação de “Palhaço”, de Egberto Gismonti.

Essa postura não o impediu de trabalhar com o mesmo empenho e dedicação ao lado de nomes centrais da música clássica brasileira, como Almeida Prado (1943-2010). Também registrou obras de Villa-Lobos (1887-1959) e de Carlos Gomes (1836-96).

Juarez começou como regente coral antes de migrar para condução sinfônica, e foi também um dos fundadores do Coral USP em 1967.

Ele permaneceu como regente da Sinfônica de Campinas ao longo de 25 anos. Sua saída, em 2000, foi antecedida por penosos desgastes com os músicos e com a administra­ção municipal.

Na manifestaç­ão pelas Diretas Já no Anhangabaú, em São Paulo, em 16 de abril de 1984, é o maestro, de camiseta amarela e jeans, quem rege o Hino Nacional cantado por mais de um milhão de pessoas.

A tradução da “alma brasileira em expressão mundial” tem, na sua visão, um “movimento circular sonoro”. “Sua partitura continua” —escreveu ele nos anos 1990— “e a revelação mais completa e mais particular do Brasil será obra dos compositor­es do terceiro milênio. Quem viver verá— e ouvirá!”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil