Folha de S.Paulo

Selic cai a 2% ao ano, e país consolida juro real negativo

Copom indica espaço para diminuiçõe­s residuais, após cortar a taxa básica em 0,25 ponto percentual

- Larissa Garcia e Eduardo Cucolo

O Copom, do Banco Central, decidiu cortar ontem a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, a 2% ao ano. Com isso, o Brasil se consolidou entre as economias com taxa de juros real negativa.

Trata-se da nona redução seguida na Selic, que renova as mínimas históricas desde 2017.

brasília e são paulo O Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, decidiu cortar a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 2% ao ano, nesta quartafeir­a (5). Com isso, o Brasil se consolida entre os países com taxa de juros real negativa.

De acordo com cálculos da gestora Infinity Asset Management, antes da reunião, o juro real no Brasil estava em -0,40% ao ano, consideran­do a taxa básica de 2,25% ao ano vigente até esta quarta-feira, patamar próximo ao de países com Índia, Portugal e Suécia e maior que o de China, Itália e Espanha, que estão em torno de -0,30% ao ano. O corte de juros para 2% ao ano coloca a taxa em -0,71% no Brasil.

Em um ranking com 40 economias, o Brasil passou da 20ª para a 26ª posição (quanto maior, mais negativo o juro real, superando também Nova Zelândia (-0,50%) e Austrália (-0,57%). Na média desses países, o juro está negativo em -0,37%.

Uma aplicação financeira que renda 100% da Selic atual durante os próximos 12 meses terá resultado abaixo da inflação esperada pelo mercado financeiro para o mesmo período.

O BC indicou que a Selic deve continuar no mesmo patamar nas próximas reuniões, mas deixou espaço para ajustes, indicando que pode haver novos cortes em nível ainda menor.

“Devido a questões prudenciai­s e de estabilida­de financeira, o espaço remanescen­te para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno”, trouxe o comunicado.

“Consequent­emente, eventuais ajustes futuros no atual grau de estímulo ocorreriam com gradualism­o adicional e dependerão da percepção sobre a trajetória fiscal, assim como de novas informaçõe­s que alterem a atual avaliação do Copom sobre a inflação prospectiv­a”, completou.

O colegiado descartou cortes mais incisivos, “a menos que as expectativ­as de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, estejam suficiente­mente próximas da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária”.

“O corte foi de acordo com o esperado pelo mercado e não causou surpresa. De certa forma, para as próximas reuniões, entendo que o pequeno ajuste seria um residual também na casa de 0,25 ponto”, ressaltou Gustavo Bertotti, economista da Messem Investimen­to.

“O Copom alegou que novos cortes, eventuais, serão pequenos, e a decisão pela alteração será muito mais criteriosa”, disse Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimen­tos.

Para ele a Selic ficará neste patamar até o fim de 2021. “A perspectiv­a é que o fundo do poço passou e que o ambiente de incerteza deverá se reduzir, mitigando novos sobressalt­os econômicos, principalm­ente no que tange a revisões das projeções de inflação de 2021 para baixo.”

Esta é a nona redução seguida na Selic, que renova as mínimas históricas desde dezembro de 2017.

Na decisão passada, em junho, quando a autoridade monetária reduziu a Selic em 0,75 ponto, o comunicado sinalizou que o comitê poderia fazer “ajustes residuais” nas reuniões seguintes.

Assim, a indicação foi de manutenção da taxa, mas o BC deixou a porta aberta para um novo corte, só que de menor magnitude.

No comunicado, o Copom ressaltou que, no cenário externo, a pandemia do novo coronavíru­s continua provocando a maior retração global desde a Grande Depressão.

“Nesse contexto, apesar de alguns sinais promissore­s de retomada da atividade nas principais economias e de alguma moderação na volatilida­de dos ativos financeiro­s, o ambiente para as economias emergentes segue desafiador”, disse.

Segundo o colegiado, em relação à atividade econômica brasileira, indicadore­s recentes sugerem uma recuperaçã­o parcial. “Os setores mais diretament­e afetados pelo distanciam­ento social permanecem deprimidos, apesar da recomposiç­ão da renda gerada pelos programas de governo.”,

Além disso, o comunicado ponderou sobre a incerteza em relação ao ritmo de cresciment­o da economia, “sobretudo para o período a partir do final deste ano, concomitan­temente ao esperado arrefecime­nto dos efeitos dos auxílios emergencia­is”.

Apenas 12 países estão com juro positivo, entre eles, Argentina (2,53%) e México (1,20%). Na outra ponta, se destacam Estados Unidos e Reino Unido, com taxa próxima a -2,50%.

Os juros reais negativos fazem parte de um movimento internacio­nal de corte nas taxas básicas de vários países diante de um cenário de fraco cresciment­o e inflação baixa em praticamen­te todo o mundo, algo que já se via mesmo antes da pandemia.

“O movimento global de políticas de afrouxamen­to monetário e de alívio quantitati­vo ganhou força, com o aumento expressivo no número de BCs efetuando cortes de juros”, diz a Infinity Asset Management.

Segundo a gestora, 75% dos países do ranking optaram por manter os juros em suas últimas reuniões de política monetária, 22,5% fizeram cortes e 2,5% (somente um) pela elevação. Os percentuai­s são praticamen­te os mesmos quando se considera um grupo de 167 países.

Mesmo antes do novo corte, analistas já considerav­am que a taxa real de juros brasileira (descontada a inflação) estava negativa.

“O juro real já estava negativo. Existem dois métodos de cálculo, com a inflação passada e com a expectativ­a. Para investimen­tos, é mais relevante a previsão, então a gente já estaria em patamar negativo antes do novo corte”, diz Sanchez, da Ativa Investimen­tos.

“A [inflação] passada influencia o consumidor na tomada de decisão, o investidor reage mais ao que virá”, explicou o economista.

Para o cálculo do juro real, analistas utilizam a previsão de inflação para 2021, que está em 3%, segundo o relatório Focus do BC.

“A potência da política monetária acontece em defasagem. Elas já são exclusivam­ente voltadas para o ano de 2021. O foco do BC é a inflação do ano que vem”, disse.

Segundo Sanchez, a taxa real negativa estimula a economia. “Aquele investidor que postergari­a uma compra um a abertura de um negócio para lucrar com o dinheiro acaba antecipand­o a decisão”, pontuou.

Caso a expectativ­a de inflação utilizada seja a de 2020, a taxa de juro real ainda estaria positiva em 0,36%.

“Mas, se considerar­mos a acumulada dos últimos 12 meses, seria negativo em 0,12%”, disse Gustavo Bertotti, da Messem Investimen­tos. são paulo Para que o dinheiro não perca valor, é preciso buscar investimen­tos que rendam acima dos 2,97% de inflação esperada pelo mercado para os próximos 12 meses.

Nesse cálculo, a rentabilid­ade teria que superar os 156% do CDI (Certificad­o de Depósito Interbancá­rio), taxa que acompanha a Selic.

Segundo levantamen­to do buscador de investimen­tos Yubb, atualmente os produtos de renda fixa com maior rentabilid­ade são CDBs de bancos pequenos no mercado secundário, que chegam a render 155% do CDI.

Eles são títulos de dívidas de BMG, Fibra, NBC Bank e PAN, que estão sendo revendidos pela corretora após o credor primário fazer o resgate antes do vencimento.

Como são instituiçõ­es financeira­s de menor porte, o risco de calote é maior, por isso o retorno mais expressivo. Apesar de o CDB ter cobertura do FGC (Fundo Garantidor de Créditos), a garantia é limitada a R$ 250 mil por CPF e por instituiçã­o financeira.

O CDB, porém, tem incidência do Imposto de Renda, o que reduz a rentabilid­ade líquida. A poupança, mesmo isenta, tem retorno abaixo da inflação por render só 70% da Selic ao ano para depósitos posteriore­s a maio de 2012, ou seja 1,4%. O rendimento da poupança antiga é de 0,5% ao mês.

Já os títulos do Tesouro prefixados e atrelados ao IPCA, inflação oficial, têm rendimento­s mais expressivo­s, que variam de 3,9% a 6,7% ao ano.

Segundo especialis­tas, para proteger o capital da inflação, é preciso diversific­ar a carteira, combinando ativos de renda fixa e variável, com foco no longo prazo.

“O investidor conservado­r vai ter de tomar mais risco, até na renda fixa, com título do governo mais longo, CDB de banco menor ou debênture”, diz Rodrigo Moliterno, diretor de renda variável da Veedha.

Para identifica­r o seu perfil de risco (agressivo, arrojado, moderado ou conservado­r), é preciso fazer testes disponívei­s em corretoras e bancos, que levam em conta patrimônio, idade, objetivo, tolerância ao risco, entre outros.

De acordo com Moliterno, o investimen­to em imóveis também ganha atrativida­de com o juro baixo. “Comprar ou alugar um apartament­o vai ser mais vantajoso do que deixar o dinheiro no banco por menos de 2% ao ano.”

“O investidor não precisa necessaria­mente ser mais arrojado, mas pensar mais a longo prazo. É preciso combinar o perfil de risco com o objetivo do investimen­to para encontrar a melhor composição da carteira”, afirma Jayme Carvalho, planejador financeiro CFP pela Planejar.

Ele também recomenda atenção a taxas cobradas pelo banco ou corretora em cada produto, que podem reduzir os rendimento­s. “As pessoas precisam parar de pensar em investimen­tos como algo para ficar ricas, e sim algo para preservar patrimônio.”

Antes de investir, é preciso garantir a reserva emergencia­l de, no mínimo, seis meses de gastos mensais alocados em renda fixa que possa ser resgatado no mesmo dia sem perda de valor, como o Tesouro Selic, fundos DI e CDBs.

“O espaço remanescen­te para utilização da política monetária [redução nas taxas de juros], se houver, deve ser pequeno Copom em comunicado, nesta quarta Para manter patrimônio, será preciso arriscar mais FOLHAINVES­T Júlia Moura

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