Liderança do Alto Xingu, cacique Aritana morre de coronavírus aos 71
Há divergência se Supremo deve impor prazo para retirada de invasores em aldeias
brasília O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu por unanimidade nesta quarta (5) referendar a decisão do ministro Luís Roberto Barroso de obrigar o governo Jair Bolsonaro a adotar medidas para conter o avanço do coronavírus na população indígena.
O Supremo determinou que o Executivo crie barreiras sanitárias para aldeias em isolamento. Para os locais nos quais os índios mantêm contato com invasores, o governo deverá elaborar um plano de retirada de ocupantes ilegais das áreas protegidas.
Todos os ministros presentes defenderam a manutenção da decisão liminar de Barroso de 8 de julho. Celso de Mello e Cármen Lúcia não participaram do julgamento.
Houve divergência, porém, sobre a determinação ou não de prazo para o Executivo retirar os invasores. Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Luiz Fux e Dias Toffoli afirmaram que o governo deve elaborar um plano de retirada, mas não fixaram prazo.
Edson Fachin e Lewandowski defenderam que a corte tem de estabelecer uma data limite para realizar as ações de remoção dos invasores.
Fachin propôs dar 60 dias para o governo fazer a retirada após a homologação do plano de remoção, enquanto Lewandowski defendeu dar 120 dias para o Executivo apresentar planejamento. A ação pede a retirada de invasores em sete terras indígenas e alega que, em alguma delas, a população já ultrapassa as 20 mil pessoas.
A ordem para o governo adotar medidas de contenção do coronavírus já vinha sendo cumprida desde 8 de julho, quando Barroso tomou a primeira decisão a respeito.
Por isso, o governo já criou uma sala de situação para avaliar o tema, composta por integrantes do Supremo e representantes indígenas e do Executivo.
Entre as ações determinadas por Barroso e referendadas pelo plenário estão a extensão dos serviços do Subsistema Indígena de Saúde aos povos indígenas, a execução de um plano de monitoramento e o apoio técnico da Fundação Oswaldo Cruz.
“Indefiro, por ora, o pedido de retirada dos invasores diante do risco que pode oferecer à vida, à saúde e à segurança das comunidades. Observo, porém, que é dever da União equacionar o problema das invasões e desenvolver um plano de desintrusão. Portanto, se nenhum plano for desenvolvido a respeito da desintrusão, voltarei ao tema”, avisou Barroso.
O ministro foi o primeiro a votar, na segunda (3), e afirmou que é “inaceitável a inação do governo federal em relação a invasões em terras indígenas”.
Já o ministro Alexandre de Moraes classificou as invasões como um “problema seríssimo” e uma “chaga” do país.
“A decisão liminar do ministro Barroso é extremamente importante porque permite atuação mais eficaz do Estado
e vai ao encontro do princípio constitucional da eficiência.”
“É uma operação de guerra, com centenas, às vezes milhares de profissionais, e não só policiais, mas também assistentes sociais, psicólogos, médicos, auxílio dos conselhos tutelares. Há um trabalho pré-policial realizado para direcionamento das pessoas que lá invadira”, explicou.
Moraes ressaltou que a população indígena corre mais risco de contágio do coronavírus e que a Covid-19 pode provocar danos incalculáveis.
Lewandowski defendeu dar 60 dias para o governo esclarecer a situação exata das terras indígenas em questão.
“Queremos saber quantos são os ocupantes das terras indígenas, onde estão localizados para eventualmente depois nós propormos uma solução para essa questão. Porque ninguém pretende, penso eu, travar uma verdadeira guerra civil na retirada desses ocupantes, absolutamente necessária das terras indígenas, mas essas operações podem ser feitas cirurgicamente, pontualmente”, disse.
O julgamento discute ação movida pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e seis partidos políticos de oposição, na qual a administração do presidente Jair Bolsonaro foi acusada de omissão.
Liderança do Xingu desde a década de 1980, quando iniciou a luta pela defesa dos direitos dos povos indígenas, Aritana é o quarto indígena da aldeia Yawalapiti a morrer vítima de Covid-19.
No estado de Mato Grosso, ao menos 91 indígenas morreram em decorrência do coronavírus até o dia 3 de agosto —nove deles no Xingu, de acordo com dados da Coiab (Coordenação dos Povos Indígenas da Amazônia Brasileira).
Entre os Yawalapiti, quatro óbitos por Covid-19 foram registrados, entre eles um irmão e uma sobrinha de Aritana. A filha do cacique, Kaiti Kna Yawalapiti, não esconde a preocupação com o avanço da pandemia no seu povo e o fracasso das ações de enfrentamento do governo federal.
“É um descaso o que o governo está fazendo com a gente. É muito triste. Meu povo está morrendo. Falta medicação, falta tudo”, desabafou ela, em um vídeo postado em seu perfil numa rede social.
Aritana buscou o primeiro atendimento médico ainda em meados de julho, na própria aldeia, após sentir os primeiros sintomas da doença.
Mas, assim que o quadro respiratório dele piorou, foi transferido no dia 18 de julho para uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital de Canarana (a cerca de 600 km de Cuiabá), onde o diagnóstico de Covid-19 foi confirmado dois dias depois.
Da cidade mato-grossense, o cacique foi levado ao hospital particular São Francisco, em Goiânia (a 700 km de Canarana), onde passou as duas últimas semanas internado.
O corpo do cacique deverá ser velado na própria aldeia nos próximos dias, para que sejam cumpridos os rituais da cultura indígena.
Cacique desde os 19 anos, Aritana é filho de Paru Yawalapiti, líder indígena que atuou ao lado de Orlando Villas-Bôas na defesa da criação do Parque Indígena do Xingu na década de 1960.
Há cinco anos, ele perdeu o irmão, Pirakuman Yawalapiti, vítima de um AVC. Ele deve ser substituído pelo filho, Tapi Yawalapiti, que acompanhou Aritana e o cacique Raoni Metkure na viagem que fizeram à Europa no ano passado em busca de apoio para a proteção da Amazônia, quando visitaram o presidente da França, Emmanuel Macron, e o papa Francisco.