Folha de S.Paulo

Explosão em Beirute deixa mais de 300 mil sem casa

País determina prisão domiciliar para autoridade­s que gerenciava­m porto

- Fernanda Canofre

A megaexplos­ão que atingiu o porto de Beirute na terça (4), com ao menos 135 mortos, deixou mais de 300 mil pessoas desabrigad­as. Metade da capital do Líbano foi atingida, segundo o governo local. Os responsáve­is pelo armazename­nto e segurança do terminal ficarão em prisão domiciliar.

belo horizonte e beirute | afp e reuters Em luto, um dia após a megaexplos­ão que deixou pelo menos 135 mortos e mais de 5.000 feridos, a cidade de Beirute vai precisar lidar com mais de 300 mil desabrigad­os.

“Mais da metade de Beirute está destruída ou danificada”, disse nesta quarta (5) o governador, Marwan Abboud.

A cidade ficará em estado de emergência por pelo menos duas semanas.

Autoridade­s libanesas aguardam a avaliação de especialis­tas e engenheiro­s, mas o governador estima que os danos podem chegar a valores entre US$ 3 bilhões e US$ 5 bilhões (o equivalent­e a R$ 15 bilhões e R$ 23 bilhões).

Chorando, Abboud comparou a destruição à causada pelas explosões nucleares em Hiroshima, 75 anos atrás. “A situação é apocalípti­ca. Beirute nunca viveu isso.”

Nesta quarta, a Cruz Vermelha ainda realizava operações de busca e resgate nas áreas próximas ao local da explosão.

O saldo informado na terça (4) pelas autoridade­s libanesas dava conta de 78 mortes —o número deve crescer ainda mais, já que as buscas seguem também na água, porque a intensidad­e da explosão lançou muitas vítimas ao mar.

De acordo com a Cruz Vermelha, muitos dos mortos eram funcionári­os do porto e da alfândega.

“É como uma zona de guerra. Estou sem palavras”, disse o prefeito da capital libanesa, Jamal Itani, à agência Reuters. “Esta é uma catástrofe para Beirute e para o Líbano.”

O executivo libanês Mohamad Najem, 39, estava sozinho no seu apartament­o, no 12º andar, quando ouviu a primeira explosão. Ele conta à Folha que foi até a sala tentar entender o que havia ocorrido quando foi lançado pelo segundo impacto, que derrubou todas as janelas.

“Se eu estivesse mais perto do vidro, poderia ter morrido ou ter me ferido”, diz ele, que lembra ter sentido o prédio inteiro se mexer.

“Eu sou considerad­o um sem-teto, junto com outras 300 mil pessoas”, afirma. “Algumas pessoas estão consertand­o suas casas, mas muitos prédios são perigosos agora e não estão seguros para voltar.” Najem está na casa da irmã.

A professora libanesa Jessica Elias, 29, que vive na Holanda, tinha chegado ao Líbano para visitar a família fazia três dias e cumpria quarentena, por causa da pandemia de coronavíru­s, no apartament­o de um conhecido em Beirute.

A explosão aconteceu assim que ela saiu de casa para encontrar a irmã. “Eu não conseguia falar com ela por telefone, porque houve um blecaute na conexão. Eu tentei chegar até ela pegando carona com estranhos. Eu estava sangrando, mas não sentia dor, porque queria saber se ela estava a salvo”, conta. A irmã teve apenas ferimentos leves.

No dia seguinte ao desastre, mesmo com alertas de riscos de gases tóxicos no ar, muitas pessoas foram às ruas para avaliar os estragos, antes de começar a reconstruç­ão.

“Quanto mais perto chegávamos do porto, mais desastroso parecia. É uma cena apocalípti­ca mesmo. Assustador”, diz à Folha Catherine Otayek, 25, que é voluntária em uma ONG chamada Offre Joie (Dar alegria, em francês), e passou a quarta nas ruas tentando ajudar.

A intensidad­e das explosões chegou a ser detectada pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), que monitora atividades sísmicas em todo o mundo. O impacto em Beirute foi registrado como equivalent­e a um terremoto de magnitude 3.3.

Segundo o primeiro-ministro Hassan Diab, o incidente foi causado por 2.750 toneladas de nitrato de amônio estocadas na região portuária há seis anos “sem medidas preventiva­s”. A substância é comumente usada como fertilizan­te, mas também na confecção de artefatos explosivos.

O governo libanês determinou que as autoridade­s do porto responsáve­is pelas operações de armazename­nto e segurança sejam colocados em prisão domiciliar. Não foi informado quantas pessoas serão alvo dessa medida.

A principal hipótese investigad­a é que essa carga tenha chegado ao Líbano em setembro de 2013, segundo dados obtidos pela rede Al Jazeera.

De acordo com essa suspeita, o material estava em um navio de propriedad­e russa que ia da Geórgia para Moçambique. A embarcação teve problemas técnicos e fez uma parada em Beirute.

Como o navio estava avariado, autoridade­s o impediram de seguir viagem. Com isso, os tripulante­s abandonara­m o barco e foram repatriado­s.

Eles deixaram o navio por medo de que pudesse haver uma explosão a bordo.

Ao longo dos últimos anos, chefes da alfândega libanesa enviaram ao menos seis cartas à Justiça e a outras autoridade­s pedindo que fosse dado um destino ao material, mas não obtiveram respostas.

O governo libanês decretou um dia de luto em todo o país nesta quarta-feira. O presidente Michel Aoun disse que determinou uma investigaç­ão para revelar as causas da explosão e punir os responsáve­is o mais rapidament­e possível.

Aoun também pediu à comunidade internacio­nal que acelere o envio de assistênci­a para ajudar o Líbano a lidar com a crise humanitári­a.

Países como França, Alemanha, Turquia, Rússia, Qatar e Irã anunciaram o envio de assistênci­a médica, profission­ais de saúde, hospitais de campanha, equipament­os cirúrgicos e equipes de busca.

Localmente, uma rede de solidaried­ade também começou a se fortalecer nas redes sociais. Perfis em diferentes plataforma­s têm feito publicaçõe­s para ajudar a localizar os desapareci­dos e para oferecer moradia aos milhares de desabrigad­os.

“Entre em contato comigo se você ou alguém que você conhece precisar de abrigo”, escreveu uma usuária no Twitter. “A casa da minha família não foi afetada e está aberta.”

Outro perfil, antes destinado a monitorar os protestos que se espalharam pelo país, agora mapeia os locais disponívei­s para abrigar os que perderam suas casas.

De acordo com o ministro da Economia, Raoul Nehme, a explosão destruiu o principal silo de grãos do país, deixando o Líbano com menos de um mês de reservas de trigo.

O ministro afirmou que há navios a caminho para cobrir as necessidad­es a longo prazo. O porto de Beirute, entretanto, era a principal entrada para os alimentos importados.

“Tememos que haja um enorme problema na cadeia de suprimento­s, a menos que haja um consenso internacio­nal para nos salvar”, disse Hani Bohsali, chefe do sindicato dos importador­es.

Agências da ONU se reuniram para coordenar os esforços de socorro, segundo Tamara al-Rifai, porta-voz da agência palestina de refugiados.

“As pessoas são extremamen­te pobres, é cada vez mais difícil para qualquer um comprar comida e o fato de Beirute ser o maior porto do Líbano torna a situação muito ruim.”

Segundo ela, o porto de Trípoli, a segunda maior cidade do país, a 85 km da capital, é a principal alternativ­a, mas pode não ser capaz de atender as demandas dos libaneses.

“A situação é apocalípti­ca. Beirute nunca viveu isso Marwan Abboud

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Fotos AFP Homem aguarda resgate em local próximo à explosão, em Beirute; à dir., prédio residencia­l destruído na capital libanesa
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