Folha de S.Paulo

Planalto se afasta, por ora, de sucessão de Maia

Movimento, após saída de DEM e MDB do blocão, irrita aliados do centrão; presidente atuava discretame­nte por seu líder

- Julia Chaib, Gustavo Uribe e Danielle Brant

Movimento de Jair Bolsonaro, após a saída do DEM e do MDB do blocão, irritou aliados do centrão. O presidente atuava discretame­nte por seu líder.

brasília Com a movimentaç­ão antecipada pela sucessão de Rodrigo Maia (DEMRJ), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pisou no freio e decidiu por ora evitar gestos que possam influencia­r a briga pelo comando da Câmara dos Deputados.

O presidente disse a assessores próximos que, neste momento, passará a acompanhar as articulaçõ­es políticas como um mero observador.

Ele, porém, não descartou a possibilid­ade de mudar de posição e apoiar um dos candidatos na véspera do pleito, em fevereiro do ano que vem. O próximo presidente da Casa estará no comando durante o período eleitoral de 2022, quando Bolsonaro deve disputar a reeleição ao Planalto.

Até agora, segundo deputados bolsonaris­tas, o presidente trabalhava de forma discreta para fortalecer o líder do PP, o deputado Arthur Lira (AL), em aceno na tentativa de consolidar uma base aliada.

Bolsonaro, apesar de ter afirmado que se ausentará da disputa, não esconde que continua querendo um nome de sua confiança no lugar de Maia, ou seja, alguém que atue na aprovação de pautas de interesse do governo.

O recuo estratégic­o do presidente foi sugerido por integrante­s da equipe ministeria­l após a saída do DEM e do MDB do chamado blocão.

Apesar de a debandada ser tratada como um fato corriqueir­o por líderes políticos envolvidos no processo, o episódio levou o Palácio do Planalto a fazer contas e irritou parlamenta­res do PP e PL, que seguem no grupo.

A ira de deputados do PP foi tamanha que eles sugeriram a auxiliares do presidente que avaliassem retirar cargos que os dois partidos dissidente­s têm no governo federal para retaliá-los caso não votem com o Planalto.

Bolsonaro, no entanto, decidiu não mexer nenhuma peça do xadrez. Juntos, DEM e MDB somam 63 deputados. A avaliação de assessores palacianos é simples: se decidir atacar essas duas siglas, o presidente corre o risco de perder votos necessário­s para atingir a maioria na Câmara.

O que acalma o Executivo é uma leitura pragmática: até agora, na pauta econômica, as duas siglas têm votado majoritari­amente com o governo.

A avaliação foi reiterada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) aos líderes do MDB, Baleia Rossi (SP), e do DEM, Efraim Filho (PB).

Nas últimas semanas, Ramos teve sucesso em manter o apoio dos dois partidos e conseguiu vitórias para o governo, como a aprovação de alterações na lei dos portos e da medida provisória que prevê repasse de R$ 3 bilhões para o setor cultural.

Já em outras pautas, como nas de costumes, o apoio não é tão garantido. Logo, qualquer tipo de retaliação ao MDB e ao DEM poderia fragilizar uma relação que, agora, ficou mais distante.

Bolsonaro tem também preocupaçã­o com as votações de vetos presidenci­ais. Embora conte com a pouca inclinação do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), para marcar a votação dos vetos, o presidente irritou parlamenta­res com recentes canetadas.

Uma em especial, a do marco legal do saneamento, levou parlamenta­res a defenderem a derrubada do veto presidenci­al, sob o argumento de que o governo quebrou acordo feito para a aprovação do texto.

Na lista de vetos cuja derrubada preocupa o governo estão o da desoneraçã­o da folha de pagamentos de 17 setores e o que destina R$ 8 bilhões ao combate à pandemia do coronavíru­s.

Além disso, o recuo de Bolsonaro se deve a uma avaliação de líderes partidário­s de que Maia tem obtido sucesso em garantir apoio, tanto na esquerda como no centro, para eleger um candidato de seu grupo político.

O deputado ainda não definiu um nome, mas até mesmo integrante­s do governo avaliam que hoje é grande a chance de Maia emplacar um aliado no posto.

A ponderação é que, caso Bolsonaro siga abraçando a candidatur­a de Lira, pode repetir o erro de sua antecessor­a Dilma Rousseff (PT) e se ver em maus lençóis caso o líder do PP seja derrotado.

No início de 2015, a petista apoiou o nome de Arlindo Chinaglia (PT), que acabou derrotado por Eduardo Cunha (MDB). No fim daquele ano, o emedebista autorizou a abertura de processo de impeachmen­t de Dilma.

“Eu acho que é melhor deixar que a Câmara resolva qual é a melhor solução para ela. Toda vez, em um passado recente, que um presidente andou se metendo nisso aí, não foi bom”, disse à Folha o vicepresid­ente, Hamilton Mourão (PRTB).

O blocão foi montado no início deste ano para definir a formação da Comissão Mista de Orçamento. Era composto por PL, PP, PSD, MDB, DEM, Solidaried­ade, PTB, PROS e Avante.

Inicialmen­te, o PSL também fazia parte, mas desembarco­u. Além dele, o Republican­os, partido do centrão, não compõe o bloco.

Ao todo, o blocão tinha 221 parlamenta­res, entre eles muitos do centrão, ligados a partidos como PP, PTB, Solidaried­ade e PL.

O Palácio do Planalto sonhava em ter entre 250 e 300 deputados ao seu lado, mas pode acabar tendo nas mãos pouco mais do que o necessário para livrar Jair Bolsonaro de um eventual pedido de impeachmen­t.

A notícia de que DEM e MDB tinham decidido desembarca­r do blocão veio à tona no fim do mês de julho. Além deles, PROS e PTB deverão deixar o agrupament­o. A ideia é formar um outro bloco oficial com o PSL.

Embora fosse esperada e tenha sido minimizada tanto por Rodrigo Maia como por Lira, a saída desses atores do grupo irritou integrante­s do centrão. O próprio líder do PP relatou a pessoas próximas ter visto no timing do movimento uma tentativa de enfraquecê-lo.

Apesar de negarem, o DEM e o MDB têm o objetivo de minar os apoios a Arthur Lira e fazer um aceno em direção à oposição. Hoje, os partidos contrários a Bolsonaro reúnem 133 votos.

Com eles, o grupo tem mais chance de formar maioria na Casa e fazer o sucessor de Maia. Lira segue visto como potencial candidato à sucessão na Câmara.

O deputado do PP levou o peso do bloco para a negociação com o governo em um momento de fragilidad­e de Bolsonaro —por causa da demora em reagir ao avanço da pandemia e do impacto do caso Fabrício Queiroz.

Ao apostar em Lira, o governo federal tentou, na avaliação de integrante­s do Planalto, enfraquece­r a liderança de Maia e, de quebra, criar um cenário favorável para ter um sucessor do presidente da Câmara mais favorável à agenda bolsonaris­ta.

Para assessores de Bolsonaro, o controle da pauta por Maia e erros estratégic­os de articulaçã­o política deram sobrevida ao presidente da Câmara e o recolocara­m como protagonis­ta na Casa, o que é atestado agora com a movimentaç­ão de DEM e MDB.

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Adriano Machado/Reuters O presidente Jair Bolsonaro em evento nesta quarta

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