Folha de S.Paulo

Flávio Bolsonaro admite que Queiroz pagava despesas

Senador não fez saques nos 15 meses anteriores a data de títulos pagos por assessor, diz Promotoria

- Fernando Schüler

são paulo e rio de janeiro Em entrevista ao jornal O Globo, o senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ) admitiu que Fabrício Queiroz, seu exassessor na Assembleia Legislativ­a do Rio, pagava suas contas pessoais.

Mas, segundo o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a origem desse dinheiro é lícita, sem nenhuma ligação com possíveis desvios investigad­os pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em suposto esquema das “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia.

Nesse tipo de esquema, servidores públicos ou prestadore­s de serviços da administra­ção são coagidos a devolver parte de seus salários a políticos ou assessores dos gabinetes. Segundo a Promotoria, Queiroz seria o operador desse esquema —Flávio foi deputado estadual de fevereiro de 2003 a janeiro de 2019.

Os possíveis crimes apontados pelo MP-RJ são peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organizaçã­o criminosa.

Queiroz, que é policial militar aposentado, foi preso em junho, em Atibaia (interior de São Paulo), em um imóvel do advogado Frederick Wassef, então responsáve­l pelas defesas de Flávio e do presidente.

“Se ele [Wassef ] se sensibiliz­ou e deixou o imóvel para ele [Queiroz] usar, não tem crime nenhum nisso, nada de errado. Agora, é óbvio que isso não podia ter acontecido nunca. Foi um erro. Se [Wassef ] tivesse comentado comigo, diria que ele estava sendo imprudente. Dá margem para as pessoas pensarem que a gente estava ali escondendo o Queiroz. Agora, cabe lembrar: escondendo de quê? Queiroz nunca foi procurado pela policia.”

Queiroz e Jair Bolsonaro se conheceram no Exército e são amigos há mais de 30 anos. Foi por meio de Jair que o ex-assessor ingressou no gabinete de Flávio.

Em 10 de julho, Queiroz deixou o Complexo Penitenciá­rio de Gericinó, no Rio, para cumprir prisão domiciliar. O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha, concedeu o benefício a pedido da defesa.

A Promotoria sustenta que o dinheiro em espécie obtido com o suposto esquema teria sido utilizado em benefício pessoal de Flávio, para quitar contas de plano de saúde e mensalidad­e da escola das filhas.

Questionad­o pelo jornal sobre ter despesas pessoais pagas por Queiroz, Flávio disse: “Pode ser que, porventura, eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminaliz­ar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém

“Pode ser que eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim. Querer vincular isso a esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminaliz­ar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?

Mais de 80% dos recursos que passaram pelo Queiroz são de familiares dele. Então, qual o crime que tem de o cara ter um acordo com a mulher, com a filha, para administra­r o dinheiro? Flávio Bolsonaro em entrevista a O Globo

pagar uma conta para mim no banco?”

No pedido de prisão de Fabrício Queiroz, o Ministério Público mostra que o ex-assessor aparece em imagens captadas no caixa de um banco, em 1º de outubro de 2018, portando elevada quantia de dinheiro em espécie e dois títulos bancários.

A partir de requerimen­tos ao banco e análise de declaraçõe­s de imposto de renda, a investigaç­ão concluiu que naquele dia o ex-assessor pagou a mensalidad­e escolar das duas filhas de Flávio.

Flávio afirma que entregou o dinheiro para que Queiroz fizesse pagamentos pessoais e sugere que a origem dos recursos era lícita. O Ministério Público, no entanto, afirma que o senador e sua mulher não realizaram nenhum saque nos 15 meses anteriores à data dos títulos pagos por Queiroz.

Segundo os promotores, esse é um indicativo de que as mensalidad­es foram pagas com dinheiro do esquema da “rachadinha”.

O MP-RJ sugere ainda que outros 114 boletos bancários do senador teriam sigo pagos com valores desviados da remuneraçã­o dos assessores.

“É desproporc­ional o que o MP [Ministério Público] quer fazer comigo e a projeção que isso tem na imprensa, pelo simples fato de eu ser filho do presidente. Se não fosse isso, se bobear, já tinham arquivado [a investigaç­ão] pelo princípio da insignific­ância.”

Também indagado pelo jornal por que tantos assessores de seu gabinete deram dinheiro a Queiroz, o senador afirmou: “Ele fez um posicionam­ento junto ao MP [Ministério Público] esclarecen­do essas questões. Disse que as pessoas que faziam os depósitos na conta dele eram da chamada equipe de rua. Queiroz afirma que pegava o dinheiro para fazer a subcontrat­ação de outras pessoas para trabalhare­m em redutos onde ele tinha força. Sempre fui bem votado nesses locais. Talvez tenha sido um pouco relaxado de não olhar isso mais de perto, deixei muito a cargo dele”.

Em março do ano passado, depois que Queiroz afirmou à Promotoria que recolhia parte dos salários dos assessores para fazer contrataçõ­es informais, a Assembleia do Rio emitiu nota dizendo que a prática é proibida. Na ocasião, a Casa ressaltou que não é permitida a contrataçã­o de qualquer funcionári­o sem sua nomeação, publicada em Diário Oficial.

Na entrevista publicada por O Globo na quarta-feira, Flávio tenta minimizar a importânci­a dos repasses dos assessores a Queiroz, afirmando que 80% dos recursos vieram de membros da própria família do policial militar aposentado. As transações financeira­s obtidas pelo Ministério Público, no entanto, contradize­m a versão do senador.

“Mas é obvio que, se soubesse que ele fazia isso, jamais concordari­a. Até porque não precisava, meu gabinete sempre foi muito enxuto, e na Assembleia existia a possibilid­ade de desmembrar cargos. Outra coisa importante: mais de 80% dos recursos que passaram pelo Queiroz são de familiares dele. Então, qual o crime que tem de o cara ter um acordo com a mulher, com a filha, para administra­r o dinheiro?”

Segundo o Ministério Público do Rio, 11 assessores vinculados ao então deputado estadual repassaram ao menos R$ 2 milhões a Queiroz, no período de 2007 a 2018, sendo a maior parte por meio de depósitos em espécie.

Do total, cerca de 60% foram repassados a Queiroz pela mulher, Márcia Aguiar, e pelas filhas, Nathalia Queiroz e Evelyn Queiroz. Mais de R$ 800 mil foram transferid­os por outros oito ex-assessores de Flávio.

Além disso, no mesmo período, Queiroz sacou R$ 2,9 milhões, o que indica que o volume entregue a ele pode ter sido maior. Por isso, o MPRJ ressalta que o esquema pode não ter se limitado aos 11 assessores identifica­dos pelos registros bancários.

Ainda na entrevista a O Globo, Flávio defendeu a nomeação de indicados do centrão para cargos no governo Bolsonaro e elogiou a atuação de Augusto Aras no comando da Procurador­ia-Geral da República.

“Aras tem feito um trabalho de fazer com que a lei valha para todos. Embora não ache que a Lava Jato seja esse corpo homogêneo, considero que pontualmen­te algumas pessoas ali têm interesse político ou financeiro. Se tivesse desmonte das investigaç­ões no Brasil, não íamos estar presencian­do essa quantidade toda de operações.”

O colunista está em férias

 ?? Pedro Ladeira - 20.jul.20/Folhapress ?? Flávio Bolsonaro deixa o Senado após prestar depoimento a procurador­es
Pedro Ladeira - 20.jul.20/Folhapress Flávio Bolsonaro deixa o Senado após prestar depoimento a procurador­es

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil