Folha de S.Paulo

Só um murmúrio pela Lava Jato

- Maria Hermínia Tavares

A operação Lava Jato morre agora não como explosão, mas como murmúrio —sem ninguém a verter uma furtiva lágrima. Mas a retórica anticorrup­ção continuará um recurso da luta política.

A Operação Lava Jato agoniza, sufocada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, sob a aprovação silenciosa do conjunto de partidos e líderes políticos —de A a Z.

Na origem, a força-tarefa encarnou a autonomia do sistema de Justiça em relação ao Executivo, sustentada nos poderes ampliados que lhe conferiu a Constituiç­ão de 1988. Tornouse possível com o advento de uma nova geração de promotores e juízes que já não dependiam da patronagem, mas de seus méritos aferidos em concursos públicos, para ingressar na carreira. Faz sentido que se vissem como guardiões da lei maior ameaçada por um sistema político no seu entender irremediav­elmente corrupto.

A Lava Jato trouxe à luz a existência daquilo que, décadas antes, o cientista político americano Gordon Adams tinha chamado de triângulos de ferro: arranjos informais e secretos que ligam firmas de prestação de serviços, burocratas de estatais e partidos políticos, em benefício dos envolvidos e em detrimento do interesse coletivo.

De fato, os cruzados de Curitiba revelaram o poderoso triângulo de ferro incrustado na maior empresa pública nacional, a Petrobras, sólido o suficiente para sobreviver ao vaivém de presidente­s e coalizões governante­s, encabeçada­s primeiro pelo PSDB e depois pelo PT.

A Lava Jato não criou a crise política que pulverizou o sistema de partidos e abriu caminho para a ascensão da extrema direita. Mas forneceu o combustíve­l para as campanhas da imprensa e as grandes manifestaç­ões de rua, as quais, associadas à crise econômica, à polarizaçã­o política e ao desmanche da base parlamenta­r governista, tornaram possível o impeachmen­t de Dilma Rousseff e tudo o que se lhe seguiu.

Os métodos reprovávei­s a que recorreram promotores e o juiz Sergio Moro —especialme­nte sua inaceitáve­l proximidad­e durante a montagem dos processos— tampouco contribuír­am para o aperfeiçoa­mento da aplicação da Justiça e para a criação de instrument­os legítimos para reduzir a corrupção política.

No Brasil, o discurso moralista foi componente central de todas as grandes crises políticas sob o regime democrátic­o. Apesar do retrospect­o, a Lava Jato morre agora não como explosão, mas como murmúrio —e sem ninguém, entre os caciques políticos, a verter por ela uma furtiva lágrima.

Mas os triângulos de ferro do professor Adams sobrevivem a ela. Ativados e operantes, existem em empresas públicas e agências reguladora­s. Por isso a retórica anticorrup­ção continuará sendo um recurso da luta política.

Alimentará o populismo de direita enquanto não ocupar também posição de relevo na agenda dos democratas.

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