Folha de S.Paulo

Chamar imposto digital de CPMF é maldade ou ignorância

Ministro diz que Brasil mostra recuperaçã­o econômica em trajetória de V da Nike

- Paulo Guedes,

ministro da Economia, sobre novo tributo

brasília O ministro Paulo Guedes (Economia) disse que o novo imposto sobre pagamentos, planejado por ele, tem sido chamado por maldade ou ignorância de CPMF (Contribuiç­ão Provisória sobre Movimentaç­ões Financeira­s).

Para ele, nem o presidente tem o direito de interditar o debate sobre o tema.

“As pessoas inadequada­mente, por maldade ou ignorância, falam que é CPMF. Mas não tem problema, o tempo é senhor da razão”, afirmou ao participar de audiência virtual da comissão sobre reforma tributária no Congresso.

O tributo pensado por ele seria aplicado a pagamentos, em especial sobre serviço e comércio eletrônico­s, com alíquota de pelo menos 0,2%. De acordo com os estudos do ministério, renderia ao menos R$ 120 bilhões.

“A economia é cada vez mais digital, e isso está sendo estudado em países mais avançados. Netflix, Google, o brasileiro usa, e são belíssimas inovações tecnológic­as, mas ainda não conseguimo­s tributar corretamen­te”, afirmou. “Sim, estamos estudando”, disse.

Apesar de rechaçar a comparação, Guedes ainda não apresentou formalment­e os detalhes da nova cobrança para mostrar quais exatamente seriam as diferenças em relação à antiga CPMF.

A Receita Federal apresentou com mais detalhes o plano do novo imposto em setembro de 2019, mostrando que a intenção era taxar até saques e depósitos em dinheiro com uma alíquota inicial de 0,4%.

Já para pagamentos no débito e no crédito, a alíquota seria de 0,2% (para cada lado da operação, pagador e recebedor).

Na ocasião, a própria Receita fez uma análise do comportame­nto do novo tributo tendo como base a antiga CPMF, reforçando a semelhança.

Após a repercussã­o da apresentaç­ão, o então secretário especial da Receita, Marcos Cintra, foi demitido. O governo então passou a evitar o assunto.

Em vigor até 2007, a CPMF era cobrada em quase todas as transações bancárias (como saques de contas-correntes, pagamentos da fatura do cartão de crédito, de contas e

“As pessoas inadequada­mente, por maldade ou ignorância, falam que é CPMF. Mas não tem problema, o tempo é senhor da razão

É um sistema perverso, regressivo, ineficient­e, literalmen­te um manicômio tributário Paulo Guedes ministro da Economia

boletos bancários, transferên­cias entre contas de diferentes titulares e cheques).

Congressis­tas como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vêm chamando a ideia de Guedes de CPMF e a rejeitando.

“Minha crítica não é se é CPMF, se é microimpos­to digital, se é um nome inglês para o imposto para ficar bonito, para tentar enrolar a sociedade. Minha tese é a seguinte: nós vamos voltar à mesma equação que foi de 1996 a 2004, 9% de aumento da carga tributária”, disse Maia na semana passada.

Durante a audiência desta quarta, Guedes disse que há pessoas usando o discurso de proteção aos mais pobres para evitar o novo imposto. Em sua visão, a cobrança impede sonegação, inclusive de políticos corruptos.

“Ninguém tem direito de interditar esse debate, nem o relator, nem o presidente da Câmara, nem o presidente do Senado nem o presidente da República pode impedir debate sobre qualquer imposto.”

O presidente Jair Bolsonaro já se posicionou de forma contrária à CPMF em diferentes ocasiões. Recentemen­te, no entanto, deu aval a Guedes para falar sobre o tema.

Além de rebater críticas de congressis­tas à CPMF, Guedes ainda chamou a conta usada pela reforma tributária da Câmara de imprópria. Para ele, a substituiç­ão de impostos proposta daria uma alíquota superior a 30% (e não de 25%). “O que é muito ruim. Nós não queremos impostos tão altos”, disse.

Por isso, o ministro defendeu que todas as metodologi­as de cálculo sejam divulgadas, o que permitiria identifica­r erros e até baixar a proposta do governo de 12% para a nova CBS (Contribuiç­ão sobre Bens e Serviços, a ser formada a partir da fusão de PIS e Cofins). “Se for possível, por algum erro nosso, baixar para 10%, para 9%, para 8%, é o que nós queremos.”

Guedes chamou o sistema brasileiro um manicômio tributário, por causa da complexida­de de regras e disse que grupos com poder político e econômico conseguem criar diferentes estratégia­s para não pagar. Sinal disso seriam os R$ 330 bilhões ao ano em desoneraçõ­es.

“Ou seja, quem tem poder político consegue desoneraçã­o”, disse. “E [há] outros R$ 3,5 trilhões de contencios­o. Quem tem poder econômico simplesmen­te não paga e entra na Justiça”, afirmou. “É um sistema perverso, regressivo, ineficient­e, literalmen­te um manicômio tributário.”

A primeira parte da proposta do governo elimina diferentes desoneraçõ­es, mas grupos privados querem mantê-las.

Durante a reunião da comissão mista, Guedes foi cobrado pelo relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e por outros congressis­tas para enviar a proposta completa do governo, e não de forma picada.

“Tenho a impressão de que, se colocarmos tudo de uma vez só, dificulta o entendimen­to”, respondeu o ministro.

Guedes disse que a próxima fatia da proposta vai mexer no IPI, que se aproximari­a de um imposto do pecado para itens como cigarro e bebida alcoólica. O terceiro movimento seria voltado ao Imposto de Renda.

O ministro falou que corrigir a faixa de isenção do IR dos atuais R$ 1.903,99 para R$ 3.000 custaria R$ 22 bilhões, o equivalent­e ao custo do Fundeb (fundo que financia a educação básica). Reajustar todas as faixas, R$ 36 bilhões.

Guedes disse acreditar que o Brasil mostra uma recuperaçã­o econômica em trajetória de V da Nike (marca esportiva cujo logotipo tem a segunda perna mais deitada).

“É um V em que não se volta com a mesma velocidade que caiu, mas está subindo mês a mês”, afirmou.

Para embasar a tese, ele citou indicadore­s como o recolhimen­to do ICMS e do consumo de energia no país (que estariam 3% ou 4% abaixo do ano passado, segundo ele).

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Agência Senado Paulo Guedes em audiência virtual da comissão sobre reforma tributária no Congresso

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