Folha de S.Paulo

Feira extremista

Em sinal de organizaçã­o, protestos em Berlim juntam de neonazista­s a militantes antivacina

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A Alemanha desponta como um caso de sucesso no controle da Covid-19. Até o fim de julho, o país contabiliz­ava 209,5 mil casos confirmado­s da doença e 9,1 mil mortes. Isso representa uma letalidade de 4,4% e uma taxa de 11 óbitos por 100.000 habitantes —um quarto da francesa e um sexto da britânica, para citar potências europeias.

Não obstante, alemães insatisfei­tos com as medidas de higiene e distanciam­ento social impostas pelo governo protestara­m nas ruas de Berlim no sábado (1º).

Mobilizada por slogans como “fim da pandemia” e “corona, alarme falso”, uma multidão estimada em 20 mil pessoas tomou o portão de Brandembur­go para, nas palavras dos organizado­res do ato, reconquist­ar a liberdade.

Não era um grupo uniforme, mas uma espécie de “market place” de facções de extrema direita que reunia de neonazista­s até militantes antivacina e adeptos de teorias da conspiraçã­o, passando por esotéricos e pelo Flügel, uma divisão interna do partido populista Alternativ­a para a Alemanha (AfD).

Há dois motivos para preocupaçã­o. O primeiro diz respeito à pandemia propriamen­te dita. Mesmo se tratando de uma parcela pequena da população nas manifestaç­ões, é inquietant­e que tantos cidadãos não percebam que as medidas sanitárias pouparam o país de uma crise ainda pior.

Não se necessita olhar além das fronteiras europeias para concluir que países cujos líderes foram negligente­s em relação à higiene e ao distanciam­ento social pagaram um preço em vidas muito maior. A democracia tolera bem a divergênci­a de ideias, mas exige convergênc­ia em relação aos fatos.

O segundo aspecto diz respeito à política. A reunião de grupos com agendas tão distintas demonstra que a extrema direita tem conseguido se organizar, exercendo influência muito maior sobre o debate público do que autorizari­a o número de adeptos dessas ideias , que, segundo pesquisas, representa entre 2% e 3% do eleitorado.

A manifestaç­ão de sábado não é o único indício da crescente capacidade de articulaçã­o dos ultradirei­tistas. Muito mais grave é a constataçã­o de que o mesmo já ocorre no âmbito das instituiçõ­es.

Isso ficou patente com a infiltraçã­o de um grupo extremista entre forças militares, o que levou à recente desativaçã­o do KSK, um comando de elite do Exército que fora tomado por radicais.

O dilema das democracia­s é que elas precisam defender-se daqueles que pretendem eliminá-las, mas sem destruir ou restringir demais a liberdade dos que as criticam.

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