Folha de S.Paulo

Juros de casa, carro e Selic: no piso

Afora desastres, taxa básica da economia não cai mais e deve ficar estável até 2021

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA)

A taxa média de juros para quem quer comprar casa ou carro, poucos, não caiu durante a epidemia e, na verdade, mal se mexe desde o final do ano passado, para tratar de duas taxas importante­s para a economia e para o consumidor. São também as taxas menos salgadas nos bancos, perto de 7% ao ano para imóveis e de 19% ao ano para carros, segundo as estatístic­as do Banco Central.

Logo, para variar, quem vai ligar para a fato de a Selic ter baixado de 2,25% para 2% ao ano, como decidiu nesta quarta-feira (5) a diretoria do Banco Central? Afora o povo da finança e economista­s, praticamen­te ninguém (ainda menos agora, pois o BC praticamen­te disse que a Selic deve ficar no nível em que está a perder de vista).

Dadas as expectativ­as de inflação (e, pois, de juros) e o nível já baixo da Selic, qualquer redução adicional, minúscula, também não deve fazer efeito relevante nas taxas de juros bancários e no custo do dinheiro no mercado de capitais.

No entanto, ainda seria bom

prestar atenção ao fato de que: 1) mesmo com Selic a 2% ao ano, a inflação fica na meta até 2022. Previsão de qualquer coisa até 2022 tem algo de ficção científica, é verdade, mas o que importa é o efeito dessa estimativa no presente. O que está implícito é que a taxa básica de juros deve ficar negativa, em termos reais (descontada a inflação), pelo menos até meados de 2022;

2) a Selic é o custo de financiame­nto do governo no curto prazo. Cada vez mais o governo se financia no curto prazo e assim será até e quando sairmos desta crise. Apesar de rumores de que as taxas de prazo mais longo subiriam, tal coisa não aconteceu. As taxas de até 7 anos ainda estão salgadas, mas voltaram aos níveis do imediato pré-pandemia (início de fevereiro). Ou seja, dá para manter mais baixo o custo de financiame­nto da imensa dívida do governo;

3) a taxa de câmbio, o “preço do dólar”, não disparou. Ao contrário, caiu um tanto e flutua na casa dos R$ 5,2 e R$ 5,3.

Em suma, não há histeria na praça financeira.

No entanto, afora desastres, o Banco Central afirma que a Selic não deve cair mais, ressalte-se. Desastres: contravolt­a no ajuste fiscal (mexida no teto de gastos, por exemplo) ou algum remelexo forte da finança mundial ou da política, grandes a ponto de provocarem uma desvaloriz­ação relevante do real.

Pode ser também que o BC reaja caso a economia caia em depressão. Ou seja, que volte a piorar depois do fim dos pagamentos de auxílios emergencia­is e similares, o que, parece,

ainda devem continuar depois

de setembro, mesmo que em escala reduzida.

Mas o BC disse também que a Selic não deve subir tão cedo (uma orientação, uma dica, que é meio novidade), exceto no caso de expectativ­as de inflação chegando à meta em 2021, meta que é de IPCA em 3,75%, ou explodindo em 2022. A expectativ­a relevante de inflação para o ano que vem está em 3%. Estamos

bem longe da meta, pois.

No resumo da ópera: o BC não vai adotar nenhuma política heterodoxa, mesmo agora tendo poderes para tanto. O piso da Selic é esse aí, positivo em termos nominais, afora desastres.

Flexões de gasto

“Por outro lado, acho que tem de haver uma certa flexibiliz­ação. Há obras paradas no Brasil há mais de dez anos. Acredito que o Paulo Guedes vai ter que dar um jeito de arrumar mais um dinheirinh­o para a gente dar continuida­de a essas ações que têm impacto social e na infraestru­tura”, disse Flavio Bolsonaro em entrevista ao jornal O Globo de quarta-feira.

Jair Bolsonaro casou-se com o centrão, chutou Sergio Moro, detona a Lava Jato. Está treinando para aumentar imposto e chutar o teto de gastos. vinicius.torres@grupofolha.com.br

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