Folha de S.Paulo

Presos em SP têm ‘videovisit­a’ de 5 minutos

Governo Doria prevê encontro virtual para menos da metade dos detentos; famílias pedem flexibiliz­ação de regras

- Thaiza Pauluze

“Futebol voltou, shopping abriu, mas a gente não consegue contato com eles. Para o Estado é cômodo, pois assim não conseguimo­s saber o que de fato está acontecend­o lá dentro mulher de preso do Centro de Detenção Provisória de Taubaté

são paulo Após quatro meses de visitas suspensas nas penitenciá­rias de São Paulo por causa da pandemia do novo coronavíru­s, menos da metade dos presos no estado terá direito a cinco minutos de videochama­da mensal para ver a família em uma conversa na qual Covid-19, insalubrid­ade e abusos ficam de fora.

O governador João Doria (PSDB) anunciou o início das visitas online para 25 de julho em todos os 176 presídios do estado, após a Justiça determinar que o governo tem dever de garantir interações virtuais aos detentos. Segundo Doria, a ideia é realizar 23 mil videochama­s por fim de semana.

Isso significa que, em um mês, seriam feitas cerca de 92 mil videoconfe­rências. São Paulo tem hoje 218 mil presos.

À Folha, o secretário de Administra­ção Penitenciá­ria de São Paulo, coronel Nivaldo Cesar Restivo, afirmou que quer aumentar o número de equipament­os para videochama­da (de 280 para 684) a fim de permitir 57 mil visitas virtuais por fim de semana.

Precisa, contudo, de novo contrato com a Prodesp, empresa de tecnologia do governo do estado, que terá 90 dias para instalar os equipament­os ao custo de R$ 426 mil.

A ligação é feita por meio do sistema usado para teleaudiên­cias criminais e atendiment­o de advogados, entre outras coisas. Será permitido falar com duas pessoas já cadastrada­s no rol de visitas. Fotos e gravações de tela pelos familiares são proibidas.

O sistema já permitia enviar até duas mensagens semanais via formulário online, forma de mitigar a demora das cartas e pacotes enviados pelos Correios.

Antes, as visitas presenciai­s eram permitidas uma vez por semana, em sábados ou domingos, em geral entre 8h e 16h. Os presos tinham alguma privacidad­e para conversar e era possível ver as estruturas da unidade prisional e a condição física dos detentos.

Agora, mães, esposas e filhas de presos ouvidas pela Folha dizem que os detentos temem retaliação ao falar nas videochama­das sobre a condição dos presídios na pandemia.

“Para conseguir é um estresse danado. A chamada trava um pouco e é muito rápida. Ele não me disse nada referente a lá dentro, apenas [falou] sobre a gente. Se ele falasse algo, automatica­mente cortariam nossa chamada”, supõe uma das mulheres.

“A gente não sabe bem o que pode ou não falar e tem medo.”

Restivo nega haver controle do que se fala. “Temos garantida a privacidad­e de quem se comunica. O agente penitenciá­rio leva a pessoa, mas não fica ouvindo. Não acompanham­os nem gravamos.”

Os familiares relatam ainda dificuldad­es técnicas —como pico de acesso que trava o site— e criticam o limite de cinco minutos. O tempo, afirma o secretário, foi definido para contemplar o maior número possível de pessoas.

A esposa de um detento do presídio de Parelheiro­s, zona sul da capital, diz esperar há duas semanas pela análise de seu cadastro. Ela afirma que foi informada que presos com faltas médias nos últimos seis meses não teriam direito a videochama­da —algo que não impede visitas presenciai­s.

Restivo alega que visitas virtuais seguem a mesma regra das presenciai­s, e só presos em RDD (Regime Disciplina­r Diferencia­do) são barrados.

Várias famílias defendem a flexibiliz­ação das visitas presenciai­s, evitando idosos, crianças e pessoas com sintomas gripais, por exemplo. “Se a proibição era para que a gente não levasse a Covid-19 para o presídio, não adiantou. O vírus já entrou através dos funcionári­os”, argumenta uma mãe, que viu o filho e o agente penitenciá­rio sem máscara.

“Futebol voltou, shopping abriu, mas a gente não consegue contato com eles. Para o Estado é cômodo, pois assim não conseguimo­s saber o que de fato está acontecend­o lá dentro”, diz a mulher de um preso do Centro de Detenção Provisória de Taubaté.

Foram registrada­s 74 mortes por Covid-19 em presídios brasileiro­s, 19 delas em São Paulo. Cerca de 12 mil presos tiveram a doença no país, mas só foram aplicados 33 mil testes, o que correspond­e a 4% do total de 773 mil detentos.

Há denúncias de subnotific­ação. Ainda assim, o país é o terceiro com mais vítimas para a Covid-19 no sistema penitenciá­rio, atrás apenas dos EUA (a maior população carcerária do planeta e 747 óbitos) e do Peru (249).

Cris (nome fictício), 43, foi uma das primeiras a conseguir agendament­o. Ela mora em Ponta Porã, na fronteira entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai. Foi de lá que o filho trouxe droga para São Paulo, onde foi preso no começo de 2019. Viajava uma vez por mês para ver o caçula de 20 anos, réu primário, condenado a 14 anos e 7 meses por tráfico e formação de quadrilha.

“Tem cinco meses que não vejo meu filho. Marcaram a visita virtual para sábado, 7h10, fiquei na maior felicidade. Levantei cedo e cadê a chamada? Entramos no link e nada. Liguei para o presídio e o agente só falou: ‘a senhora não conseguiu? Seu nome nem tá na lista. Tenta no outro mês.”

O filho de Cris está com suspeita de Covid-19. Ele não fez o teste, mas tem sintomas como perda de olfato e paladar, febre e dores. “Queria ver se ele está bem, se está vivo. Mas foi só frustração, chorei o dia inteirinho. Ele disse por mensagem que também ficou esperando. Nem consigo remarcar, consta que eu tive a visita.”

Penitenciá­rias têm explosão de cartas virtuais Rogério Pagnan

são paulo “Oi filho!! Como você está? Que saudades. Esta semana não recebi nenhuma carta, você não me escreveu? Estou preocupada com você, me mande notícias, por favor. Quinta-feira mandamos três cartas para você: eu, seu pai e seu irmão. Você recebeu? Está precisando de algo? Se tiver, me fale que mando para você”, escreveu Genilda a Felipe.

“Oi, mãe! Tudo bem com vocês? Eu estou bem, graças a Deus! Eu recebi as cartas de vocês sim! Eu respondi via Correio, acho que por isso não receberam ainda. Eu amei as cartas, e saibam que estou muito orgulhosos de vocês por estarem firmes e fortes aí fora!”. A resposta termina com “eu amo muito vocês”.

O canal de cartas virtuais entre pessoas encarcerad­as e seus familiares foi criado pelo governo paulista para amenizar a angústia em um momento em que visitas estão suspensas. Felipe, detento, aguarda julgamento na unidade prisional de Jundiaí.

“Foi uma forma que a gente encontrou para que não perdessem os laços afetivos”, diz Carolina Maracajá, diretora do Departamen­to de Atenção ao Egresso e Família. “O contato, o apoio, o vínculo afetivo com familiares é muito importante no processo de reintegraç­ão.”

A diretora aponta que a carta virtual agilizou um contato que os protocolos de saúde haviam tornado mais lentos. “Além do problema dos Correios, de demorar, quando a carta física chega à unidade, ela precisa passar pelo processo desinfecçã­o. Precisa ficar lá parada, por três dias, para só depois se repassada.”

A ferramenta foi disponibil­izada em 26 de junho no site da Secretaria de Estado da Administra­ção Penitenciá­ria e faz parte do programa chamado Conexão Familiar. A procura pelo serviço surpreende­u até os mais otimistas.

Em pouco mais de um mês, foram 546.461 correspond­ências virtuais —11 por minuto. “Foi bem aceito. Em uma hora o sistema caiu. Fomos atualizand­o, e, agora, está fluindo superbem”, disse Carolina.

Para evitar novo colapso, o governo impôs algumas regras: cada preso tem direito a receber apenas duas mensagens por semana e deve devolver a resposta à família em até cinco dias. Há limite de 2.000 caracteres para cada carta.

Isso viabiliza uma logística que envolve a leitura da mensagem pelo setor de checagem da unidade para evitar eventuais práticas criminosas, como ocorre com a correspond­ência física. Depois, impressa em papel sulfite, a carta é encaminhad­a ao destinatár­io.

A resposta deve ser dada pelo preso a caneta no verso da mesma folha, para em seguida ser digitaliza­da e enviada por e-mail ao familiar. Só podem enviar mensagens pessoas que estejam no rol de visitas cadastrado na unidade.

O serviço, a princípio, deve durar apenas a quarentena sanitária, mas ainda haverá reavaliaçã­o ao fim da experiênci­a.

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Secretaria da Administra­ção Penitenciá­ria/Divulgação Preso participa de videochama­da dentro do sistema carcerário do estado de São Paulo

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