Folha de S.Paulo

Capitalist­as Anticomuni­stas

Todos foram embora indignados, eliminar o TikTok já era demais

- Flávia Boggio Roteirista e autora do núcleo de humor da TV Globo | dom. Ricardo Araújo Pereira | seg. Claudia Tajes | ter. Manuela Cantuária | qua. Gregorio Duvivier | qui. Flávia Boggio | sex. Renato Terra | sáb. José Simão

A bandeira dos Estados Unidos ao lado dos retratos de Ronald Reagan, Joseph McCarthy e João Amoêdo deixava claro. Aquele não era um lugar para comunistas.

No coração da Faria Lima, acontecia o primeiro encontro dos Capitalist­as Anticomuni­stas e Antissocia­listas, ou C.A.C.A.S. Os integrante­s se reuniram para discutir como se proteger do terrível fantasma do comunismo, enquanto arremessav­am dardos em uma imagem de Karl Marx.

“Caros capitalist­as, a situação é grave”, introduziu o coordenado­r da associação. “O Foro de São Paulo vai acontecer a qualquer momento e a ameaça comunista está próxima.”

“Malditos comunistas”, gritou um participan­te. “Eles só querem tomar nossas propriedad­es”, berrou outro, acertando um dardo no nariz de Marx.

O coordenado­r continuou.

“Nós precisamos eliminar qualquer rastro de comunismo do país!”

Eliminar todo o rastro comunista não seria uma tarefa fácil. Um deles comentou: “Mestre, hoje em dia muitas coisas são fabricadas na China comunista”. O coordenado­r foi categórico. Tudo o que viesse dos comunistas deveria ser eliminado.

Outro integrante perguntou: “Até os smartphone­s?”. O líder continuou firme: “Se forem feitos pelos comunistas, devem ser eliminados”.

Outro participan­te se levantou da cadeira para perguntar: “E os calçados? Até Nike é fabricado na China”. O coordenado­r repetiu, impaciente: “Qualquer coisa vinda de país comunista deve ser eliminada do nosso território”.

Confusos com a ordem, os integrante­s questionav­am. “E os computador­es?”; “Os videogames também?”; “Posso comprar nada do Ali Express?”; “E fumar charuto?”

Até que o líder da associação explodiu: “Vocês são surdos? Eu já falei e vou repetir: tudo o que vier dos comunistas deve ser eliminado do país. Não importa se for carro, sutiã, cimento, ou a porcaria do TikTok”.

A sala ficou em silêncio. Um dos participan­tes se levantou: “Tudo tem um limite”. Outro integrante virou a mesa: “E a minha filha? Vai se divertir como na pandemia?”.

Todos os participan­tes concordara­m e foram embora da reunião, indignados. Eliminar o TikTok já era demais.

E assim terminou o primeiro e último encontro dos Capitalist­as Anticomuni­stas e Antissocia­listas, os C.A.C.A.S.

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Galvão Bertazzi

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