Testes antes de beijos e ar pessimista marcam retomada cultural na Europa
Coronavírus faz produtoras e instituições enfrentarem recessão com rígidos protocolos de segurança
bruxelas Cenas de beijo, só com o resultado negativo do teste para o coronavírus feito 24 horas antes, comunicação ao supervisor de segurança e autorização prévia do médico.
Numa atividade em que a proximidade física é frequente, quando não inevitável, sindicatos e produtoras de cinema e televisão europeias têm adotado regulamentos rígidos para voltar a funcionar sem aumentar o risco de contágio.
Alguns protocolos, como o italiano, têm 15 páginas, de regras detalhadas para cada etapa do processo, do treinamento à pós-edição, da retirada de material dos caminhões até os tipos de microfones mais recomendados.
Material de maquiagem, escovas e secadores de cabelo e microfones só podem ser tocados por profissionais específicos e devem ser desinfetados depois de cada uso. Figurantes devem chegar prontos ao set.
Menos detalhado, o regulamento das principais redes de televisão britânicas —BBC, iTV, Channel 4, Channel 5, Sky, STV e ITN— tem cinco páginas, mas também prevê testes periódicos e cuidados para momentos de “contato próximo”.
“Se um membro da equipe ou do elenco ficar doente, a produção tem de parar. No melhor dos casos haverá atrasos, mas muitas vezes tudo é cancelado”, diz Elena Lai, secretária-geral da Cepi, a Produção Audiovisual Europeia, que reúne associações de produtores independentes de cinema e TV na Europa.
Um levantamento feito entre membros de 19 países europeus mostrou que 93% das empresas anteveem dificuldades em coproduções futuras.
Manter a segurança de artistas e funcionários é só uma das preocupações do setor — aumento do risco e escassez de seguros, imprevisibilidade e perspectiva de recessão também são gargalos.
Uma das áreas mais afetadas, a cultura sofreu perdas de até 80% do faturamento no segundo trimestre, que foi a fase mais crítica da pandemia no continente, segundo dados da Comissão Europeia. A primavera foi “uma estação perdida” e não está sendo fácil planejar a temporada que recomeça em setembro, diz Natalie Giorgadze, da Culture Action Europe, rede de organizações do setor cultural.
Até porque, nas últimas semanas, países como Áustria, Alemanha, França, Espanha e Bélgica adotaram novas medidas por causa de um repique nos casos de coronavírus.
Segundo Giorgadze, por receberem verbas públicas, grandes museus são as instituições que aguentaram melhor o impacto e anteciparam a reabertura, ainda que com menor público. “Locais pequenos provavelmente nem vão reabrir, porque dependem da receita dos ingressos”, afirma.
Já nos cinemas, encontrar um ponto de equilíbrio é um desafio até mesmo para grandes cadeias de exibição. No Reino Unido, onde a reabertura de salas foi liberada em 4 de julho, algumas das principais redes só religaram seus projetores no final do mês.
Além da queda nas receitas, há também uma alta dos custos, por causa das novas exigências de saúde e segurança. O acréscimo foi de entre 15% e 20% para as produtoras audiovisuais europeias, independente do porte, segundo Elena Lai, da Cepi. Essa sobrecarga “inviabiliza a sobrevivência nos próximos seis meses, principalmente para pequenas e médias empresas”, diz.
Mapeamento feito pela Culture Action Europe e Fundação Cultural Europeia mostra que 17 países do continente adotaram esquemas de emergência para apoiar empresas e trabalhadores de cultura e setores criativos. Esses programas, porém, terminam nos próximos meses, enquanto a redução de público pode se manter por mais tempo.
Enquanto isso, experiências recentes mostram que há uma forte demanda reprimida. Quando as quarentenas começaram a ser levantadas, a coreógrafa belga Anne Teresa De Keersmaeker foi um das pioneiras, ao anunciar a pré-estreia de “As Variações Goldberg” em quatro apresentações para 40 pessoas cada uma. Os ingressos, de € 20, ou R$ 123, estariam à venda pela internet a partir das 12h do dia 25 de junho. Às 12h05, quando a repórter acessou o site, já estavam todos esgotados.
A corrida às bilheterias marcou também a reabertura de cinemas em países como Alemanha, Dinamarca, Holanda, Itália e Polônia. A avidez, porém, não é suficiente para deixar otimistas os produtores. “Muita gente perdeu o emprego ou teve sua renda reduzida”, acredita Giorgadze. “E já está claro que este será um ano de recessão.”