Folha de S.Paulo

PROTESTO REÚNE MILHARES NA BULGÁRIA CONTRA PREMIÊ

Protestos contra líder, conhecido como ‘Batman dos Bálcãs’, chegam a 56º dia

- Ana Estela de Sousa Pinto

Policial lança spray de pimenta na direção de manifestan­tes na capital, Sófia; atos que pedem renúncia de Boiko Borisov já duram quase dois meses

bruxelas Conflitos entre manifestan­tes e polícia deixaram dezenas de feridos e oito presos nesta quarta (2) em Sófia, capital da Bulgária, num dos maiores protestos recentes pela renúncia do primeiromi­nistro, Boiko Borisov, 61. Os atos completara­m 56 dias, a maior sequência desde 2014.

Os manifestan­tes acusam o premiê, conhecido como o “Batman dos Bálcãs”, de permitir que a Bulgária seja dominada por uma máfia oligárquic­a, que, segundo eles, controla a Justiça, a mídia e as forças de segurança. Entre as acusações mais recentes estão a de que o Judiciário está sendo usado para extorquir ou intimidar empresário­s.

No ranking da Transparên­cia Internacio­nal, a Bulgária é o país mais corrupto da União Europeia (na qual ingressou em 2007). É também o que recebe a mais baixa nota para democracia e liberdade de imprensa e o que tem a menor renda per capita entre os 27 membros do bloco.

Os protestos são apoiados pelo presidente búlgaro, o opositor independen­te Rumen Radev, 57, eleito em 2016 com o apoio dos socialista­s em uma campanha que tinha como um dos pilares o combate à corrupção.

Em discurso nesta quarta na Assembleia, o presidente pediu a renúncia do rival: “Não há como sair deste beco sem saída a não ser pelo ato político usual de renunciar quando a confiança é perdida”.

A temperatur­a crescente da disputa entre os dois políticos ganhou tons de mistério em junho, com a publicação de fotos em que o premiê aparece supostamen­te dormindo em seu quarto, com uma arma na mesa de cabeceira e uma gaveta cheia de dinheiro.

Borisov não confirmou nem negou a veracidade das imagens, mas acusou o rival de ter usado drones para espioná-lo. Radev admitiu ter um drone, mas negou tê-lo usado contra o premiê e prometeu investigar o caso.

O primeiro-ministro nasceu em uma família de classe média da Bulgária comunista e sua popularida­de como “homem comum” deu a ele sua primeira vitória em eleições, em 2004, como prefeito de Sófia. No começo dos anos 2000, Borisov ganhou o apelido “Batman dos Bálcãs”, por causa de sua predileção por roupas pretas e sua imagem de homem de ação.

Além de bombeiro e guarda-costas (e dono de uma empresa de segurança), ele foi instrutor policial e gosta de dizer que é faixa-preta de caratê, embora a afirmação seja contestada por mestres da arte marcial no país.

Borisov, que assumiu em 2017 seu terceiro mandato como premiê em coligação com os ultranacio­nalistas, prometeu se afastar do cargo quando for aprovada uma revisão da Constituiç­ão na Assembleia Nacional, o que, segundo ele, atenderia às reivindica­ções dos manifestan­tes.

Para os opositores, porém, a proposta é uma manobra para ganhar tempo até as próximas eleições gerais, em março de 2021. Borisov não tem os dois terços dos parlamenta­res necessário­s para a revisão constituci­onal.

Um possível debate sobre essa reforma poderia acontecer nesta quarta, primeiro dia de reunião da Assembleia Nacional após o recesso de verão. Os manifestan­tes começaram a se concentrar no local pela manhã, em ato chamado de

“grande levante nacional”.

Não há números oficiais, mas veículos jornalísti­cos afirmaram que a participaç­ão, de milhares de pessoas, foi uma das mais expressiva­s dos últimos dois meses. Houve reforço de moradores de outras cidades e, em redes sociais, alguns diziam ter sido impedidos de chegar ao Parlamento.

Os conflitos começaram quando opositores tentaram romper o cerco formado em volta do edifício por centenas de policiais da tropa de choque. Manifestan­tes atiraram ovos, tomates, maçãs, garrafas plásticas, notas falsas de euro e lixo, segundo a polícia, que reagiu com bombas de efeito moral e spray de pimenta.

Assim como na Belarus, alguns dos manifestan­tes estendiam flores aos policiais e lhes pediam que ficassem do lado da população. O governo afirma que dezenas ficaram feridos, incluindo policiais e jornalista­s, e oito pessoas foram presas. O Ministério do Interior (responsáve­l pela segurança interna) divulgou vídeos em que manifestan­tes arrancam pedras do calçamento para jogar na polícia.

Confrontos ocorreram também à tarde no horário local (fim da manhã no Brasil), quando os manifestan­tes tentaram impedir os parlamenta­res de deixarem o prédio.

Eurodeputa­dos criticaram o fato de que a União Europeia condena a repressão contra manifestan­tes na Belarus, que não integra o bloco, ao mesmo tempo em que silencia sobre a situação em um de seus países-membros, a Bulgária.

Na última semana, o grupo de Monitorame­nto da Democracia, Estado de Direito e Direitos Fundamenta­is realizou uma sessão fechada sobre a corrupção no país.

Analistas dizem que a Bulgária sofre menos pressão que outros governos acusados de autoritari­smo, como a Polônia e a Hungria, porque Borisov corteja abertament­e o apoio da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e do bloco de centro-direita PPE, do qual faz parte a CDU, partido da chanceler.

Na última semana, porém, políticos da própria CDU pediram que a União Europeia investigue seriamente as denúncias contra o governo búlgaro.

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Nikolay Doychinov/AFP
 ?? Nikolai Doichinov/AFP ?? Policiais se protegem de fogo de artifício lançado contra eles durante manifestaç­ão em Sófia
Nikolai Doichinov/AFP Policiais se protegem de fogo de artifício lançado contra eles durante manifestaç­ão em Sófia
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Nikolai Doichinov/AFP
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Stoian Nenov/Reuters Policiais entram em confronto com manifestan­tes (acima), que atiram ovos contra as forças de segurança durante protesto em Sófia

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