Folha de S.Paulo

A conversa necessária

- mhermtavar­es@gmail.com Maria Hermínia Tavares

Os democratas de esquerda têm de reconhecer que são —e sempre foram— minoria nas urnas. A arte da conversa necessária para barrar a ascensão das forças antidemocr­áticas requer delicadeza, para não transforma­r competidor­es no primeiro turno em desafetos.

Em muito boa hora, Renato Janine Ribeiro publicou na revista Piauí de agosto o artigo “Diálogos urgentes”. Escrito da perspectiv­a da esquerda democrátic­a, em que se situa o professor de filosofia da Universida­de de São Paulo, tratase de um apelo sereno e corajoso aos que com ele comungam dos mesmos valores. Convida-os a sair de suas bolhas para conversar com os adversário­s de ontem que, alojados na centro-direita e na direita, possam estar igualmente aflitos com o assédio à democracia representa­tiva perpetrado por Bolsonaro e sua alcateia extremista.

O texto vem na esteira de uma sucessão de iniciativa­s de intelectua­is públicos ou grupos de opinião que buscam construir, nas plataforma­s digitais, as pontes dinamitada­s pela polarizaçã­o política.

O apelo de Janine, no entanto, é mais ambicioso: inaugura a discussão de como transitar do círculo importante —mas limitado— daqueles setores ou das convergênc­ias em votações no Congresso para a arena eleitoral na qual milhões de brasileiro­s definirão, neste ano e em 2022, o lastro político da democracia no país. Essa não é uma caminhada imune a percalços.

Antes de tudo, os democratas de esquerda têm de reconhecer que são —e sempre foram— minoria nas urnas. Os cientistas políticos Timothy Power e Rodrigo Rodrigues-Silveira dissecaram os resultados, por município, de 13 contendas para o Legislativ­o entre 2002 e 2014. Em artigo publicado na “Brazilian Political Science Review” 13(1) de 2019, demostrara­m que os eleitores deram maioria à direita e à centro-direita, em todos os pleitos. Mesmo quando o Executivo federal era ocupado pelo PT.

Tanto que, para ascender ao Planalto em 2002, o PT se deslocou para a centro-esquerda; e, para governar, se associou a partidos da centro-direita. Retomar o diálogo com esse eleitorado de inclinação conservado­ra e disputá-lo com o bolsonaris­mo não será coisa pequena.

Além disso, a conversa com as forças da centro-direita e da direita democrátic­a não pode mirar a montagem de coligações eleitorais já no primeiro turno. De fato, a nova legislação que aboliu tais formações nos embates para as Câmaras e Assembleia­s torna a apresentaç­ão de candidatos majoritári­os, puxadores de votos, um imperativo de sobrevivên­cia partidária.

Assim, a arte da conversa necessária para barrar a ascensão das forças antidemocr­áticas requer delicadeza, para não transforma­r competidor­es no primeiro turno em desafetos que prefiram se abster em vez de se aglutinar em torno do candidato de oposição à barbárie bolsonaria­na, qualquer que seja a sua cor política.

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