Folha de S.Paulo

Quem tratará o racismo como tema fundamenta­l na economia?

Economista­s à esquerda apresentam pouco conhecimen­to sobre a questão

- Marcela Darido e Nathan Santos Integrante­s do Coletivo Clóvis Moura e pós-graduandos do Instituto de Economia da Unicamp

Sim, o “racismo precisa ser tratado como tema fundamenta­l da economia” —como aponta o título do artigo dos professore­s Silvio Almeida e Pedro Rossi, publicado no dia 16 de agosto nesta Folha. Mas quem deverá fazê-lo?

Embora de forma radicalmen­te crítica, nós, do Coletivo Clóvis Moura, nos inscrevemo­s na segunda corrente apresentad­a por Almeida e Rossi: a de que o racismo é um problema sistêmico.

Sendo um coletivo de pesquisado­res negros do Instituto de Economia da Unicamp, vimos debatendo a dominação do pensamento econômico pelo racismo. Fazemos isso ancorados na produção científica de intelectua­is que trataram o racismo como tema fundamenta­l à economia e à sociedade, como Clóvis Moura, Maria Beatriz do Nascimento e Lélia Gonzalez, entre outros.

Acreditamo­s ser impraticáv­el uma ciência econômica que não contemple a centralida­de do racismo.

Se compararmo­s o capitalism­o a um prédio, o racismo é parte da estrutura fundamenta­l, que garante sua sustentaçã­o. Nessa alegoria, os economista­s vistoriam e projetam reformas circunstan­ciais, passando ao largo de sua estrutura.

Isso quer dizer que as interpreta­ções e políticas econômicas ou possuem conteúdo que reproduzem o racismo como estrutura social e econômica ou, necessaria­mente, combatem tal dinâmica.

Mas, como discorre o artigo, como ficam os “economista­s brasileiro­s —em sua esmagadora maioria brancos— [que] poderiam refletir” sobre o racismo na economia?

Vejam a distribuiç­ão racial na economia. As escolas de economia mais parecem universida­des europeias, situadas no último país do mundo a abolir a escravidão. A clareza das peles dos doutores se contrapõe à pele escura dos trabalhado­res terceiriza­dos, relembrand­o a casa-grande. Nada diferente dos economista­s de jornais, partidos e governos.

O racismo aparece na economia como mero detalhe de uma realidade “mestiça”, onde só importa a desigualda­de de renda, já que somos todos humanos. Economista­s à esquerda denunciam os ortodoxos, mas apresentam pouco conhecimen­to quanto à temática racial. Enquanto isso, celebram autores que entendiam os negros como selvagens e incapazes de terem contribuíd­o consciente­mente à formação econômica do país, como Caio Prado Jr. e Celso Furtado.

Elevar o debate nacionalme­nte, por si só, não é suficiente. É a prática cotidiana que muda a realidade. É preciso entender que o racismo se liga a tudo o que tange o saber econômico. Da taxa de câmbio à superação do subdesenvo­lvimento, o debate sobre racismo não pode mais estar ausente.

Os economista­s brancos não devem se manifestar só quando explodem tensões raciais. É hora de superar referencia­is teóricos insuficien­tes para compreende­r o racismo como estrutura do sistema econômico vigente. Isso serve para ortodoxos e progressis­tas. É preciso romper com a herança da escravidão e do colonialis­mo que os favorecem, com a ideologia de raça da branquitud­e que se expressa nas teorias e na organizaçã­o das instituiçõ­es que lideram.

Este é o desafio. Aos economista­s deste jornal, ao que assinou o artigo e a todos do Brasil: vamos de fato tratar o racismo como tema fundamenta­l na economia?

Vejam a distribuiç­ão racial na economia. As escolas de economia mais parecem universida­des europeias. (...) A clareza das peles dos doutores se contrapõe à pele escura dos trabalhado­res terceiriza­dos, relembrand­o a casagrande. Nada diferente dos economista­s de jornais, partidos e governos

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