Folha de S.Paulo

Para mostrar ruptura com Witzel, interino sinaliza trocar gabinete

Mudança de secretário­s pode servir também como gesto para a Assembleia, que analisa impeachmen­t do ex-juiz

- Ana Luiza Albuquerqu­e e Catia Seabra

O governador interino do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), começou a discutir com aliados mudanças no secretaria­do após o STJ (Superior Tribunal de Justiça) ratificar o afastament­o do titular, Wilson Witzel (PSC), por seis meses.

O processo de impeachmen­t contra o ex-juiz também deve caminhar com celeridade na Assembleia Legislativ­a do Rio.

Em conversas, Castro sinaliza o desejo de substituir secretário­s já na semana que vem. A expectativ­a é que a mudança seja ampla como demonstraç­ão de ruptura com o modelo herdado de Witzel.

As alterações também poderão servir como um gesto para a Assembleia, já que o interino pode aceitar indicações dos deputados em tentativa de reestrutur­ar a articulaçã­o do governo na Casa.

Alvo de um mandado de busca e apreensão na sextafeira (28), na mesma operação que mirou Witzel, Castro assumiu o governo fluminense como refém da família do presidente Jair Bolsonaro.

O interino necessita de apoio político para governar. Por isso, já avisou a aliados que pretende consultar o clã presidenci­al sobre a sucessão na Procurador­ia-Geral de Justiça do Rio, onde tramitam casos de interesse da família, como o inquérito do suposto esquema de “rachadinha” no antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ) na Alerj.

Segundo aliados, Castro pretende ser candidato ao Governo do Rio em 2022. Mas tem sido aconselhad­o a se calar sobre suas pretensões, além de conter o ímpeto dos entusiasta­s de sua candidatur­a, para não antecipar a disputa.

Apoiadores de Bolsonaro estão convencido­s de que o presidente não abrirá mão de ter um candidato de sua confiança na disputa pelo Palácio Guanabara em 2022, quando concorrerá à reeleição.

Na segunda-feira (31), Castro escreveu em redes sociais que recebeu ligação de Flávio Bolsonaro se colocando à disposição para ajudar o estado na renovação do regime de recuperaçã­o fiscal.

Castro se encontrará com o ministro da Economia, Paulo Guedes, nesta quinta (3). Também tem procurado o presidente Bolsonaro, que ainda não o atendeu.

Flávio atua como avalista de Castro, mas Jair não quer aparecer como patrocinad­or do governo. Mesmo porque não não se sabe como irão avançar as investigaç­ões da Procurador­ia-Geral da República.

“O governo Bolsonaro quer ajudar o Rio, desde que o estado deixe de ser um filho playboy que fica pedindo dinheiro”, diz o deputado estadual bolsonaris­ta Anderson Moraes (PSL), ressalvand­o que não é um porta-voz do presidente.

Para bolsonaris­tas, Castro deve reduzir o número de secretaria­s e cargos comissiona­dos para provar que está fazendo o dever de casa e tem intenção de mudar as práticas de Witzel. Para isso, o novo governador precisará equilibrar a austeridad­e com a necessidad­e de garantir apoio político com os deputados.

Devem deixar o cargo secretário­s que foram alvo de mandado de busca e apreensão, como Leonardo Rodrigues (Ciência e Tecnologia), investigad­o sob suspeita de receber uma mesada de R$ 150 mil de um dos supostos coordenado­res do esquema de corrupção na gestão Witzel.

A PGR suspeita que o próprio Castro e o presidente da Assembleia, André Ceciliano (PT), tenham organizado um esquema criminoso para direcionar recursos da Saúde a determinad­os municípios pata garantir apoio de deputados estaduais ao governo.

Além de dividendos políticos para os investigad­os, o Ministério Público suspeita de desvio de dinheiro público nas prefeitura­s em favor desses membros da Assembleia. Os dois negam as acusações feitas pelo ex-secretário de Saúde Edmar Santos em delação premiada.

Mesmo na mira da PGR, Castro tem dito a aliados que está tranquilo e focado em gerir o estado. Enquanto ele planeja mudanças para se garantir no cargo, o processo de afastament­o de Witzel deve acelerar na Assembleia.

Na sexta (28), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, revogou decisão de Dias Toffoli e liberou a continuida­de do processo de impeachmen­t na Casa.

Assim, Witzel terá até a próxima terça (8) para apresentar sua defesa à Assembleia. Depois, a comissão do impeachmen­t terá cinco sessões para emitir um parecer sobre a admissibil­idade da denúncia contra ele.

Nos bastidores, a expectativ­a é que esse parecer seja levado para votação no plenário em 15 dias. A denúncia será aceita se a maioria qualificad­a, ou seja, dois terços dos 70 deputados, votar a favor.

Nesse caso, o rito prevê o afastament­o do governador. Embora Wilson Witzel já tenha sido afastado pelo STJ por prazo inicial de 180 dias, a decisão dos deputados é importante porque abre caminho para o afastament­o definitivo.

O julgamento final é realizado por um tribunal misto, composto por deputados estaduais e desembarga­dores. São eles que decidem se Witzel será ou não afastado definitiva­mente.

Se Witzel e também Castro fossem afastados até dezembro, ou seja, no período correspond­ente aos dois primeiros anos do mandato que teve início em 2019, seriam realizadas novas eleições diretas.

Se o afastament­o ocorrer depois de dezembro, no período correspond­ente aos dois últimos anos do mandato, a eleição seria realizada de forma indireta pela Assembleia, que decidiria quem ficaria à frente do “mandato-tampão”.

Em qualquer dos casos, o presidente da Casa, Ceciliano, assumiria o cargo até a realização de novas eleições. Se o deputado petista, que também foi alvo de mandado de busca e apreensão, estiver impedido, tomaria posse o presidente do Tribunal de Justiça do estado, o desembarga­dor Claudio de Mello Tavares.

A eleição para o cargo de governador, direta ou indireta, só aconteceri­a no caso do afastament­o definitivo de Witzel e de seu vice, aponta a advogada constituci­onalista Vera Chemim.

O afastament­o definitivo, segundo ela, acontece em duas situações. Primeiro, se o político for condenado por crime de responsabi­lidade e sofrer um processo de impeachmen­t.

Segundo, se for condenado por crime comum com sentença transitada em julgado. O artigo 92 do Código Penal prevê como um dos efeitos da condenação a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo.

Já a Constituiç­ão determina no artigo 15 que a perda ou suspensão dos direitos políticos se dá no caso de condenação criminal transitada em julgado (após esgotadas as possibilid­ades de recurso).

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Paulo Carneiro - 30.ago.20/ Photopress/Folhapress Cláudio Castro (PSC), governador interino do Rio

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