Folha de S.Paulo

Influencia­dores se deslocam da direita para o centro no Twitter

Rompimento de Bolsonaro com Lava Jato é uma das possíveis explicaçõe­s

- Daniel Mariani, Fábio Takahashi e Diana Yukari

são paulo Grande parte dos influencia­dores políticos no Twitter em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, está com um público mais à esquerda agora, aponta levantamen­to inédito feito pela Folha.

A reportagem comparou a posição de mil influencia­dores na rede social de maio de 2019 a agosto de 2020.

Para isso, foi considerad­a a posição desses perfis no GPS Ideológico, ferramenta da Folha que posiciona as contas numa reta, do ponto mais à direita ao mais à esquerda, segundo quem os segue.

Das mil contas avaliadas no ano passado, 947 estavam ativas agora. Delas, 66% se deslocaram em direção à esquerda na análise deste ano (pode ser porque ganharam mais seguidores mais à esquerda, perderam mais à direita ou ambos os movimentos combinados).

Entre os que tiveram as maiores variações estão as contas com perfil de seguidores posicionad­os nos pontos mais extremos da direita em 2019. E, após passarem a criticar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), ganharam seguidores mais ao centro.

A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) exemplific­a o movimento. No ano passado, a média dos seus seguidores na escala ideológica era de 84 pontos, o que a colocava em posição semelhante a de Olavo de Carvalho, um dos ideólogos do governo. A escala vai de 0 (ponto mais à esquerda) a 100 (mais à direita).

Após romper com Bolsonaro (foi retirada do posto de líder do governo no Congresso) e passar a atacá-lo publicamen­te, Joice foi para a posição 66, próxima ao centro.

Seus novos seguidores estão, em média, entre os 40% à direita (posição próxima ao centro); os que a deixaram estão no grupo de radicais de direita (os 8% mais à direita).

Joice saiu então de um ponto semelhante ao de Olavo para um próximo ao do senador Alvaro Dias (Podemos-PR).

O governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC), que se elegeu colando sua imagem à de Bolsonaro e agora se declara inimigo do presidente, teve movimento no Twitter semelhante ao de Joice —ganhando apoiadores de centro e perdendo radicais de direita.

“Houve claro movimento de reposicion­amento de Bolsonaro”, diz o professor de ciência política da UFMG Felipe Nunes, diretor da Quaest, consultori­a que analisa popularida­de de figuras públicas em redes sociais. “Ele se distanciou de gente que o apoiava, tornando sua base mais coesa e homogênea.”

Lucas Calil, da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, afirma que perfis como o de Joice, que romperam com o governo, conseguem ampliar a capilarida­de de seu discurso —antes restrito aos mais radicais de direita.

Essa maior amplitude pode ajudar a deputada na eleição, em que ela deve concorrer à Prefeitura de São Paulo.

Calil ressalta que esse aumento do raio de discurso é limitado, pois ocorre em torno de um assunto determinad­o, a rejeição ao governo federal.

“Esse ponto comum não extrapola o tema em específico. O perfil da Joice e de atores mais à esquerda seguem com interesses bem diferentes.”

No modelo estatístic­o usado pela Folha, uma conta que segue o ex-presidente Lula (PT) e o perfil do MTST, por exemplo, estará à esquerda de outro que segue Olavo de Carvalho e o Escola Sem Partido.

Se considerad­os os perfis que andaram ao menos 5 pontos na escala entre 2019 e 2020, aparecem 113 contas. Desse montante, 70% receberam seguidores mais à esquerda do que possuíam no ano passado.

Pesquisado­res apontam que o rompimento do bolsonaris­mo com o lava-jatismo é um fato importante para explicar esse movimento à esquerda de influencia­dores, saindo de uma base muito à direita para ficar próxima ao centro.

O próprio Sergio Moro, que era ministro da Justiça em

“Houve claro movimento de reposicion­amento de Bolsonaro. Ele se distanciou de gente que o apoiava, tornando sua base mais coesa e homogênea Felipe Nunes diretor da consultori­a Quaest

“Moro não ficou mais esquerdist­a, continua extremamen­te conservado­r. O governo é que radicalizo­u posições Pedro Bruzzi sócio da consultori­a Arquimedes

2019, contava com seguidores que se concentrav­am entre os 18% mais radicais à direita. Os novos seguidores estão num espectro mais diverso (que engloba os 34% mais à direita).

Moro saiu do governo em abril, dizendo que o presidente tentava interferir politicame­nte na Polícia Federal.

Também andou para a esquerda, em direção ao centro, o perfil do MBL, movimento que apoia a Lava Jato e passou a atacar o presidente.

Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP e colunista da Folha, Pablo Ortellado diz que a tendência de migração dos influencia­dores de direita para o centro é condizente com uma pesquisa que ele fez, consideran­do dados de julho do Twitter.

O trabalho apontou que os antigos apoiadores da Lava Jato se deslocaram para o centro. “A ruptura na direita —entre bolsonaris­tas de um lado, lava-jatistas e liberais antiautori­tários de outro— não foi apenas movimento das elites, mas também do público, que se segregou”, afirma.

Pedro Bruzzi, sócio da Arquimedes, que analisa a discussão política nas redes sociais, cita como exemplo de mudança na posição de Bolsonaro, além da Lava Jato, o recente alinhament­o com o centrão, grupo que atacava.

“Moro não ficou mais esquerdist­a, continua extremamen­te conservado­r. O governo é que radicalizo­u suas posições. Quem não concorda é expelido para longe.”

A maior variação entre o perfil dos seguidores de 2019 com os novos de 2020 foi da conta do senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Ex-delegado, ele foi duro com Moro, ainda ministro, durante uma audiência no Congresso, no ano passado. Também denunciou Bolsonaro na ONU.

Seus seguidores estavam entre os 25% mais à direita. Já os novos estão na outra ponta, entre os 40% mais à esquerda.

O levantamen­to mostra ainda que há perfis que ganharam seguidores mais à direita do que possuíam em 2019, ainda que em menor volume que o movimento contrário.

O atual ministro das Comunicaçõ­es, Fábio Faria, que assumiu em junho, é um exemplo. Eleito deputado pelo PSDRN, tem sido citado como figura importante do governo, que apaziguou os ânimos dos outros Poderes com o Executivo.

A média da posição dos seus seguidores em 2019 colocava sua base na metade da esquerda da reta. Com mais seguidores de direita, o perfil passou a ter média de seguidores entre os 25% mais à direita.

Autor do algoritmo que foi adaptado para o GPS Ideológico, o cientista político Pablo Barberá (London School of Economics) diz que, ao seguir alguém, via de regra o usuário tem afinidade com o perfil.

Isso porque a pessoa passará a visualizar mais tuítes desse usuário. E receber conteúdo de alguém sem afinidade é algo custoso, em termos de tempo e de atenção —por isso, tende a ser exceção.

A categoriza­ção desses influencia­dores permite comparar, por exemplo, para qual público os políticos mais falam.

Dos mil influencia­dores considerad­os em 2019, 47 não estavam mais ativos em agosto: 23 foram suspensos pelo Twitter; destes, 22 estavam entre os 22% mais à direita.

Outros 6 restringir­iam o acesso de suas contas , o que impossibil­ita obter a lista de novos seguidores. A predominân­cia de contas suspensas na direita foi verificada também entre os usuários.

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