Folha de S.Paulo

Pentágono pinta quadro alarmista de capacidade­s militares da China

Ao Congresso, órgão diz que Marinha de Pequim passou a dos EUA e vê maior ambição nuclear

- Igor Gielow

são paulo A China já tem uma Marinha maior do que a dos EUA e pode, em cinco anos, dobrar seu arsenal nuclear com capacidade de atingir a terra de Donald Trump.

O relato, alarmista, foi entregue pelo Pentágono ao Congresso americano, em um documento anual sobre as capacidade­s militares de Pequim.

Ele surge no momento de maior tensão entre Washington e Pequim em décadas, com a Guerra Fria 2.0 do governo Trump gerando pontos de atrito em áreas que vão da autonomia de Hong Kong à venda de tecnologia 5G, com especial ênfase em provocaçõe­s militares de lado a lado.

Usualmente, tais relatórios compilam dados públicos e fazem estimativa­s conservado­ras, mas o momento parece ter carregado o texto com tintas dramáticas.

Isso sempre é útil na hora de pedir mais dinheiro para programas como o dos novos submarinos nucleares de mísseis balísticos da classe Columbia, estimado em US$ 130 bilhões (R$ 700 bilhões hoje).

Segundo o documento, a Marinha chinesa hoje tem 350 embarcaçõe­s, entre navios e submarinos. Os EUA têm ao todo 293, lembra o Pentágono. A conta, contudo, é torta.

Os EUA operam, segundo o Instituto Internacio­nal de Estudos Estratégic­os (Londres), 121 embarcaçõe­s chamadas de “combatente­s principais”: porta-aviões, cruzadores, destroiere­s e fragatas.

Já a China navega 82 desses navios para grandes engajament­os —para chegar aos 130 da categoria que aponta, o Pentágono incluiu corvetas de uso litorâneo.

Os dois porta-aviões convencion­ais chineses não fazem frente aos 11 dos EUA.

Mas o texto aponta numa direção correta: hoje Pequim é a principal potência de construção naval, em tonelagem entregue por ano, no mundo.

E isso pode bastar no médio prazo para asseverar sua autoridade sobre as áreas que clama como suas, por exemplo, no mar do Sul da China.

O documento com razão vê a região, que os Estados Unidos consideram de uso internacio­nal em boa parte, como um foco potencial de conflito.

O texto indica outros dois pontos em que a China já empata ou ultrapasso­u os Estados Unidos no campo militar.

Um deles é o de defesa aérea de longa distância, baseada principalm­ente nos poderosos sistemas russos S-300 e S-400, além de produtos domésticos.

A isso se soma uma crescente frota de aviões modernos, que Pequim planeja ver 100% atualizada em 2035.

O outro, o programa de mísseis chineses. O país hoje tem 1.250 mísseis, com alcances que variam de 500 a 5.500 km, lançados de solo. Isso é vital para a interdição de teatros de operações nas águas em torno da China —e ameaçam diretament­e bases americanas do Japão à ilha de Guam.

Segundo o Pentágono, em sua primeira estimativa do gênero, os chineses têm pouco mais de 200 ogivas nucleares.

O número é inferior ao estimado pelo Federação dos Cientistas Americanos, entidade cuja avaliação é considerad­a o padrão-ouro do setor, que aponta cerca de 320 bombas.

Seja como for, o documento prevê que nos próximos dez anos o arsenal chinês dobrará, e que em metade desse tempo já haverá o dobro de ogivas em mísseis capazes de atingir território americano —hoje, nas contas do Pentágono, são cerca de 100.

O alarmismo do texto parece tirado do fato de que setores nacionalis­tas chineses têm advogado por uma ampliação do arsenal nuclear de Pequim até 1.000 ogivas. Nada indica que eles serão atendidos.

Os EUA têm 1.750 operaciona­is e a Rússia, 1.570. Washington também quis ver Pequim em tratados de limitação de ogivas, sem sucesso.

O texto também aponta como evidência das ambições nucleares chinesas a entrada em operação de uma nova versão capaz de ser reabasteci­da no ar e que pode lançar mísseis com ogivas nuclear do velho bombardeir­o de origem soviética H-6.

Com isso, a China atingiu a chamada tríade nuclear, a capacidade de disparar suas bombas de terra, ar e mar. Só que a visão de que isso representa uma ameaça foi questionad­a no próprio Parlamento americano.

A chefe de análise militar do Serviço de Pesquisa do Congresso, Amy Woolf, afirmou que a colocação era alarmista. Os Estados Unidos, disse segundo agências de notícias, “sempre acreditara­m que a tríade era estabiliza­dora porque reduz a vulnerabil­idade de forças de retaliação, reforçando a dissuasão”.

Em outras palavras, ter vários meios de lançar a bomba seriam uma garantia para não ser atacado primeiro.

A China, por sua vez, previsivel­mente desancou o relatório. O Ministério das Relações Exteriores afirmou nesta quarta (2) que o texto entregue na véspera era “cheio de mentalidad­e da Guerra Fria” e buscava opor Pequim a Taiwan.

Há vários trechos dedicados às intenções chinesas para reabsorver a ilha, que considera uma província rebelde.

A hipótese de uma tomada à força é descartada como muito arriscada, embora simulações de bloqueios e tomadas de ilhotas sejam alvo de atenção. O relato, ressaltese, só diz respeito a 2019. Este ano viu grande cresciment­o de atividade militar nas águas em torno da China.

Por fim, ainda que tenha acelerado em 6,6% seu gasto em 2019, Pequim tem um orçamento militar quase quatro vezes inferior ao americano.

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