Capriles negocia com Maduro para estar nas eleições, diz Turquia
bauru (sp) e buenos aires Pelo menos dois dos principais nomes da oposição venezuelana estão negociando com o ditador Nicolás Maduro para participar das próximas eleições legislativas, sob a mediação da Turquia, segundo anunciou o ministro das Relações Exteriores turco, Mevlut Cavusoglu.
De acordo com ele, Henrique Capriles (duas vezes candidato à presidência) e o parlamentar Stalin González têm liderado discretamente um esforço para garantir a presença de opositores no pleito marcado para dezembro.
“A estabilidade e a paz da Venezuela são importantes para nós. Estamos felizes em ver que a oposição e o governo se aproximam do acordo”, disse Cavusoglu, nesta terça (1º). “A presença de observadores externos é uma das condições, aceitas por Maduro.”
A negociação, porém, viola um acordo firmado há um mês por 27 partidos de oposição para boicotar o pleito. Segundo o documento, participar dele seria “colaborar com a estratégia da ditadura” —as legendas de Capriles e González estão entre as signatárias.
Capriles negou que negocie com o regime. “Falar e negociar não são a mesma coisa, a menos que você queira manipular e mentir”, escreveu nas redes sociais. “O apropriado é falar com todos que nos aproximam de uma solução crível.”
González disse que “o sofrimento dos venezuelanos não pode ser permanente por causa de um regime obcecado pelo poder”. “Se uma negociação impedir que este conflito se intensifique e se torne mais doloroso, farei isso quantas vezes for apropriado.”
Para Imdat Oner, analista do Instituto Jack D. Gordon, ligado à Universidade Internacional da Flórida, o anúncio do governo da Turquia, importante aliada política e comercial de Maduro, causou um “tsunami político” que pode fragmentar a oposição local.
“A confiança entre os opositores parece ter sido seriamente prejudicada”, diz Oner, ex-diplomata turco em Caracas. “Isso cria, explicitamente, uma grande cisão na oposição pouco antes da eleição.”
Em 2019, os críticos ao regime se aglutinaram em torno da figura de Juan Guaidó, então líder da Assembleia Nacional —reconhecido como presidente legítimo por mais de 50 países, incluindo Brasil e EUA.
Após o anúncio do chanceler turco, entretanto, o gabinete de Guaidó divulgou comunicado alegando “absoluto desconhecimento sobre as negociações” com Maduro.
Nas redes sociais, Capriles marcou sua posição de distanciamento e anunciou que seu apoio a Guaidó chegou a fim. “O tempo se acabou”, disse. Dirigindo-se diretamente ao líder da Assembleia Nacional, por quem disse ter “grande admiração”, afirmou: “Não vou ficar de braços cruzados”.
Capriles respondeu ainda ao chamado por uma unidade na oposição. “Unidade para quê? A unidade por nada não é nada. Nos apresentaram uma rota, mas não nos explicaram os erros”, afirmou, referindo-se ao levante organizado por Guaidó e Leopoldo López, em abril de 2019, que acabou fracassando. “Nunca nos deram uma explicação.”
Embora ainda não se saiba como e se as negociações entre Maduro e a oposição vão avançar, a situação pode dar indicativos para o futuro político do país, segundo Pedro Brites, da Escola de Relações Internacionais da FGV/SP.
Para o professor, “o fato demonstra que muitos atores políticos da Venezuela estão insatisfeitos com a espécie de estagnação” que o país vive em um cenário limitado a Guaidó versus Maduro.
“O autoritarismo nos impulsionou a entender a oposição como um bloco único, mas há interesses distintos [entre os opositores]”, explica.
Capriles, por exemplo, é mais próximo do centro, com alguma relação com políticas sociais características do chavismo. Guaidó, por sua vez, tem uma base social e política bem mais à direita.
“Apesar de ser crítico ao regime, isso não quer dizer que Capriles adotaria uma adesão aos EUA de forma tão umbilical como Guaidó defende.”
Para a oposição venezuelana, o pleito não pode ser considerado transparente e legítimo. Entre seus argumentos estão o fato de que os novos diretores do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), foram nomeados em junho pelo Tribunal Supremo de Justiça.
A nomeação contraria a Constituição, que determina que o CNE seja formado por nomes indicados pela Assembleia Nacional, hoje de maioria opositora.
Em seu discurso, o chanceler da Turquia também mencionou as crises em curso na Venezuela, mas defendeu que os opositores abandonem o boicote e participem do pleito.
Para os especialistas ouvidos pela Folha, há outros interesses por trás da ação da Turquia, e o principal deles é que o país quer ser um ator mais importante no cenário geopolítico internacional.
“O país quer fazer parte do jogo para manter seus benefícios na região”, diz Oner.
Os ganhos turcos na relação com Caracas são ameaçados pela instabilidade venezuelana e pelas sanções dos EUA. Em 2016, quando Recep Erdogan sofreu uma tentativa de golpe, Maduro foi o primeiro a prestar solidariedade.
Para Brites, a Turquia tenta ocupar um “vácuo de poder” —na mediação que seria um papel de países como Brasil ou Argentina.