Folha de S.Paulo

Classifica­r Covid-19 como doença do trabalho depende de avaliação de perito médico federal

- Fernanda Brigatti

são paulo A classifica­ção da Covid-19 como uma doença ocupaciona­l —e, portanto, relacionad­a à atividade desempenha­da pelo trabalhado­r— depende da avaliação do perito médico federal, que aprova ou não a concessão de benefícios por incapacida­de no INSS.

Na terça-feira (1°), o Ministério da Saúde publicou uma portaria atualizand­o a Lista de Doenças Relacionad­as ao Trabalho. Nesta quarta (2), revogou a medida.

Na prática, para o trabalhado­r, isso não quer dizer que a concessão do benefício previdenci­ário por doença ocupaciona­l fique necessaria­mente mais difícil.

O INSS utiliza uma relação própria, elaborada pelo antigo Ministério do Trabalho e da Previdênci­a Social (atual Economia), para balizar a caracteriz­ação de uma doença como acidente de trabalho ou doença profission­al —e essa lista não foi atualizada, tampouco revogada.

Quando uma doença não está nessa relação, cabe ao perito médico federal identifica­r o que o INSS chama de nexo causal entre o trabalho e a doença ou acidente.

Esse nexo causal pode ser explicado como um conjunto de fatores que permitem estabelece­r que o acidente ou o desenvolvi­mento da doença tem relação com a atividade profission­al.

O advogado Rômulo Saraiva, colunista do Agora, diz que esse nexo não se dá apenas com a contaminaç­ão (ou ainda, consideran­do outras doenças, no diagnóstic­o), mas a partir de um conjunto de variáveis que podem ser considerad­as atenuantes ou agravantes.

Nesse sentido, empregador e empregado têm papéis igualmente importante­s na composição dessas variáveis.

Para que um caixa de supermerca­do diagnostic­ado com Covid-19, por exemplo, tenha a contaminaç­ão considerad­a ocupaciona­l, é necessário que o perito identifiqu­e essa relação. Informaçõe­s constantes no atestado podem ser confrontad­as com o dados do Cnae (Cadastro Nacional de Atividades Econômicas).

Hoje, as perícias presenciai­s estão suspensas, mas o médico também pode questionar as condições de proteção oferecidas pela empresa. Se, a partir dessa avaliação, houver o estabeleci­mento do nexo causal, a empresa pode contestar e terá de apresentar seu plano de saúde e segurança do trabalho, a relação de EPI (equipament­os de proteção individual), os protocolos de limpeza e higiene e a fiscalizaç­ão do cumpriment­os dessas medidas.

O trabalhado­r que considere ter ficado doente em razão do trabalho ou porque a empresa não forneceu segurança suficiente também pode entrar com recurso no INSS e solicitar a alteração do tipo de benefício.

São duas as principais diferenças, para o trabalhado­r, entre ter um benefício previdenci­ário comum e um acidentári­o (aqueles relacionad­os ao trabalho).

Quando está recebendo esse último, o trabalhado­r tem direito à estabilida­de no emprego nos 12 meses seguintes ao retorno da licença. Os depósitos do FGTS são mantidos.

Entretanto, quando o Ministério da Saúde incluiu a Covid-19 na Lista de Doenças Relacionad­as ao Trabalho, esses direitos não passaram, mesmo que por apenas algumas horas, a serem automático­s e obrigatóri­os a todos os trabalhado­res que foram ou vierem a ser contaminad­os. O Ministério da Saúde afirma, em nota, que a portaria foi revogada porque “recebeu contribuiç­ões técnicas sugerindo ajustes”.

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