Folha de S.Paulo

O capital nos tempos de Bolsonaro

Congresso abre mercados de gás, teles e saneamento, mas dinheiro deve demorar a aparecer

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Em teoria, estão abertas as porteiras para que empresas privadas invistam em saneamento e gás; deve ser enfim destravado o investimen­to na tecnologia 5G e na expansão das telecomuni­cações em geral. Quando, quanto e se dinheiro vai aparecer em novos negócios é questão mais nebulosa.

É muito improvável que empreitada­s nessas áreas tenham algum papel em uma possível retomada econômica, se é que se vai ver investimen­to notável antes de 2022. Mas, goste-se ou não do que se passa, de privatizaç­ão em particular, houve mudança legal relevante nesses setores.

Desde outubro de 2019, o Congresso aprovou as novas leis de telecomuni­cações e de saneamento. Está para aprovar a nova lei do gás. Nesta semana, Jair Bolsonaro facilitou o caminho para a expansão do 5G e das teles, regulando a instalação de antenas e o uso de outras infraestru­turas. O atrasado leilão das frequência­s de 5G deve acontecer em meados de 2021.

Falta um monte de regulament­ações extras e outros acertos para definir com clareza as regras do jogo, da concorrênc­ia e dos preços no caso de saneamento e gás. Faltam agências reguladora­s funcionais e comprometi­das com o público. Até agora, mudou a base dos negócios: houve abertura do mercado e desregulam­entação. Dinheiro firme é outra história. A cada vez que se trata da aprovação das leis gerais para cada setor, a gente ouve e lê que aparecerão dezenas de bilhões de investimen­tos. Não é assim.

No caso do saneamento, a lei facilita a persistênc­ia do antigo regime de predominân­cia estatal. A depender dos arranjos locais, lugarejos pobres ainda podem ficar sem o serviço. Mas algum governante mais esperto pode desde já tentar atrair investimen­to privado, ainda mais para lugares em que o povo pode pagar a conta. É mais emprego, é progresso sanitário e não custa para o cofre do governo —ao contrário.

Ainda assim, gestores de dinheiro grosso e entendidos do setor dizem que a coisa vai começar devagar, tentativam­ente, e algum progresso começaria a ficar visível apenas em dois anos e olhe lá. Por falar em dois anos, é a estimativa mais otimista para que se perceba algum resultado na mudança no gás. Isto é, para que se note o começo de investimen­to relevante e algum efeito nos preços.

O caso aqui é ainda mais enrolado, pois são necessário­s acertos na distribuiç­ão estadual do gás, na prática sob controle do governo dos estados, há risco de empresas privadas de transporte (por dutos) de gás atropelare­m a concorrênc­ia e de outras mumunhas, como as que tentaram enfiar na lei.

No Brasil, a maior parte do consumo de gás é industrial —na química, nas fábricas de cloro, fertilizan­tes, alumínio, vidro, biocombust­íveis ou cerâmica, por exemplo. O segundo maior destino do gás é a produção de eletricida­de. Até o ano passado, a Petrobras era quase um monopólio de produção e distribuiç­ão (mas suas transporta­doras estão sendo vendidas).

Em teoria, pode haver mais concorrênc­ia. Em tese, com mais competição haverá preços menores, o que pode beneficiar a indústria e permitir a abertura ou reabertura de empresas.

Além do investimen­to extra, o 5G também pode permitir a criação de novos negócios, sabe-se lá quais, a depender da imaginação de empreended­ores e do custo de capital.

Uma dúvida grande é a demanda. Ao fim deste ano, o PIB per capita do Brasil deve ser ainda 13% menor do que em 2014. Confiança e regras claras importam, mas não enchem barriga, não destravam investimen­tos: falta uma perspectiv­a de cresciment­o.

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