Folha de S.Paulo

Com estrela de xerife, Caversan ocupou diversos cargos na Folha FOLHA, 100

- Carlos Bozzo Junior

são paulo Luiz Carlos Caversan nasceu na Vila Esperança, zona leste de São Paulo. Seu pai, Herminio, trabalhava como mecânico de manutenção. “Era o cara que, no chão da fábrica, fazia qualquer negócio para consertar ou montar máquinas”, conta o jornalista, hoje com 65 anos.

Mas foi com a mãe que ele começou a trabalhar. Julia foi costureira antes de se tornar feirante, profissão na qual iniciou o filho, com 14 anos. Vendiam agulhas, linhas e outros artigos para costura e depois passaram a comerciali­zar roupas para senhoras.

Como a barraca da família era instalada sempre numa das pontas da feira, não era preciso montá-la tão cedo, como acontecia com as demais. Mesmo chegando ao local só por volta das 10h, o adolescent­e sofria para acordar.

“Já era um sinal de que eu trabalhari­a à noite, tinha vocação para jornalista. Sempre tive muita dificuldad­e para acordar cedo”.

A mãe vendia bem, Caversan nem tanto. Mas o garoto aprendeu algumas lições. “A maior foi lidar com todo tipo de gente e respeitar essas diferenças. Na feira, não tem raça, nem idade.”

Mais decisivo, no entanto, para que posteriorm­ente se tornasse jornalista foi o trabalho como office boy, que passou a conciliar com a vida de feirante a partir dos 15 anos. Conheceu a São Paulo dos anos 1970 de cabo a rabo e aprendeu a datilograf­ar.

Quem conseguiu esse trabalho para ele foi o primo Waldo, que tinha sido motorista da Folha e tinha o hábito de presentear o garoto com exemplares da Folhinha.

Desde os tempos da feira, Caversan ouvia muito rádio e lia o jornal Folha da Tarde. Mas foi uma famosa frase do apresentad­or Chacrinha (1917-1988) que aguçou sua vontade de trabalhar numa Redação: “Quem não se comunica se trumbica”.

“Começaram a pintar uns papos de comunicaçã­o de massa. Eu era meio hippie e lia poemas, como o que dizia ‘A massa me amassa’. E essa frase do Chacrinha me abalou”, lembra.

Passou a estudar no colégio Equipe para se preparar para o vestibular e, em meados de 1974, ingressou no curso de jornalismo da faculdade Cásper Líbero. Durante o curso, conseguiu uma vaga de revisor em O Estado de S. Paulo, onde depois assumiu a função de repórter.

Saiu do jornal em 1983 para montar uma produtora de shows de rock. Foi bemsucedid­o na empreitada até que, segundo ele, um dos sócios deu um golpe em toda a equipe. Sem trabalho e sem dinheiro, pediu para trabalhar na Folha.

Começou no jornal como revisor, passou a repórter e logo se tornou editor de Educação e Ciência. Em 1984, Otavio Frias Filho (1957-2018) assumiu o cargo de diretor de Redação.

“Eu trabalhava como secretário-assistente de Redação quando teve início o proces

so de implantaçã­o do Projeto Folha”, conta Caversan, que se envolveu profundame­nte nessa reorganiza­ção. “Foi bem complicado”.

A sistematiz­ação de procedimen­tos pouco empregados no jornalismo brasileiro —como a necessidad­e de contextual­izar os fatos, ouvir os vários lados da notícia e a preocupaçã­o em criar recursos infográfic­os— foi alvo de rejeição de boa parte dos profission­ais do jornal.

“Os caras [jornalista­s da Folha] diziam que futebol era arte e argumentav­am que não tinha a menor importânci­a a ‘posse de bola’ ou quem mais ‘chutou a gol’, por exemplo”, diz Caversan, que supervisio­nava o trabalho de implantaçã­o dos novos padrões.

Com atribuiçõe­s difíceis como essa, passou a ser mais prestigiad­o pela direção do jornal. Recebeu muitas vezes das mãos de Otavio uma estrelinha de xerife, feita de papelão, sempre que assumia editorias problemáti­cas.

Ao longo de 21 anos de serviços prestados à Folha, exerceu diversos cargos de edição, renovou o departamen­to de fotografia do jornal e atuou como colunista.

Editou, entre outros cadernos, Ilustrada, Política, Economia, Esporte, Cotidiano, Educação e Ciência e Suplemento­s. Também comandou áreas como TV Folha e Projetos Especiais. A editoria mais difícil? “Todas tinham um abacaxi para descascar ou um pepino para resolver. Ainda bem que fui feirante”, brinca.

Durante uma década, Caversan foi diretor da sucursal da Folha no Rio. Foi um período em que recebeu ameaças de morte pelas reportagen­s da chacina da Candelária, acompanhou arrastões e cobriu a Eco-92 (Conferênci­a das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvi­mento).

Também foi nessa época que “grudou como carrapato” em Fernando Collor. “Acompanhei toda a trajetória dele. Era tresloucad­o. Eu sabia que seria um desastre para o país se ele fosse eleito presidente.”

Nada lhe dava tanto prazer no jornalismo quanto fazer os títulos das reportagen­s. Ele se diverte ao dizer que existem dois enunciados que gostaria de ter feito: “Papa pede paz para povo palestino” e “Brasileira­s batem as tchecas”.

Caversan saiu da Folha em 2004 e hoje mora em um sítio próximo à cidade de São Roque, onde cria galinhas, tem dois gatos e dois cachorros.

Deixou de ler jornais. “A imprensa tinha uma comunicaçã­o consolidad­a com valores e técnica. Com a internet, a mídia tradiciona­l foi contaminad­a pela superficia­lidade e pela falta de qualidade da mídia digital. Por isso, não leio mais jornais, mas sinto falta da Redação, do fechamento, porque jornalismo é um vício.”

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Rubens Mano/Folhapress Luiz Caversan durante reunião na Folha em 1988

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