Bolsonaro pede ‘patriotismo’ contra alta da cesta básica
Presidente quer evitar que supermercados repassem custos ao consumidor; para analistas, fala é infundada
Um dia após os supermercadistas alertarem sobre uma alta de 20% no custo dos alimentos que compõem a cesta básica e cobrarem o governo por uma solução, Jair Bolsonaro pediu “patriotismo” para evitar o repasse ao consumidor, mas negou que vá dar “canetadas” para segurar os preços. Ele afirmou estar em diálogo com as grandes redes.
O movimento inflacionário tem sido alvo de queixa constante nas redes sociais do presidente, especialmente relacionadas à decisão de reduzir para R$ 300 o valor do auxílio emergencial que será pago até dezembro.
Bolsonaro atribuiu a pressão sobre esses produtos ao pagamento do benefício, que levou as pessoas a gastarem “um pouco mais.”
Para analistas, o pedido aos empresários é infundado em uma economia de livre mercado, e a fala ecoa tentativas de controle da inflação dos anos 1980, como os “fiscais do Sarney”.
A Associação Brasileira de Supermercados informou que não comentaria a declaração. A entidade aguarda reunião com o governo na próxima semana.
são paulo Um dia após os supermercados alertarem sobre uma alta de 20% no custo dos alimentos que compõem a cesta básica e cobrarem o governo por uma solução, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pediu “patriotismo” para que eles evitem o repasse para o consumidor, mas negou que irá dar “canetadas” para segurar os preços.
Nesta sexta-feira (4), em conversa com um grupo de apoiadores em Eldorado, no interior de São Paulo, o presidente disse que está dialogando com intermediários e com representantes de grandes redes de supermercados para tentar evitar uma alta maior nos produtos.
Alimentos como leite, arroz, feijão e óleo de soja chegam a acumular altas superiores a 20% nos últimos 12 meses.
Essa alta tem sido uma queixa constante nas redes sociais do presidente, especialmente relacionadas à decisão do governo de reduzir para R$ 300 o auxílio emergencial que será pago até dezembro.
Em Eldorado, Bolsonaro perguntou a um grupo de apoiadores se o arroz e o feijão estão “subindo muito”.
“Já conversei com intermediários, vou conversar logo mais com a associação de supermercados para ver se a gente ... não é no grito, ninguém vai dar canetada em lugar nenhum”, disse.
Em seguida, continuou: “Então estou conversando para ver se os produtos da cesta básica aí... Estou pedindo um sacrifício, patriotismo para os grandes donos de supermercados para manter na menor margem de lucro.”
Na avaliação de analistas, porém, conversas não resolvem problemas de mercado, a fala ressoa às tentativas de controle da inflação dos anos 1980 e o pedido é infundado numa economia de livre mercado, na qual custos são livremente repassados aos preços.
Também apontam contradição no presidente, que, em live na quinta-feira (3), festejou que a taxa básica de juros esteja a 2% ao ano e disse que espera nova redução, o que resultaria em ainda mais estímulo à demanda, já pressionada pelo auxílio emergencial.
Essa demanda é tida como um dos elementos que impulsionaram a cesta básica, bem como o efeito do câmbio sobre o aumento das exportações e diminuição das importações desses itens.
“Conversa para segurar preço não funciona. É complexo interferir nas leis de mercado, e acho que isso não está nem na cartilha desse governo. A gente já viu tentativas disso, na época dos fiscais do [expresidente José Sarney]. Nunca funcionou e nunca vai funcionar”, disse o economista André Braz, coordenador de índices de preço do Ibre-FGV.
“A fala do presidente não faz sentido, parece que estamos voltandoaumpassadoremoto, em que o presidente tinha que falar para a sociedade e para os diversos organismos privados para não aumentar preços”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
“Parece a volta dos anos 1980, o controle de inflação do Sarney.”
Vale não teme, porém, que o discurso presidencial se transforme em medidas intervencionistas. “Acredito que isso fica mais na tentativa de jogar para a plateia, de tentar fazer uma média com a população, mas sem muita repercussão.”
Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, o principal instrumento à disposição do governo para controlar a inflação, caso ela venha a se acelerar —o que ainda não está acontecendo, na sua avaliação—, é o aumento dos juros pelo Banco Central.
Nesse sentido, diz que Bolsonaro dá sinais contraditórios, ao reclamar da inflação, masaomesmotempodizerque espera nova queda de juros.
“É uma contradição se você espera queda de juros e está preocupado com aumento de preços. Se há uma preocupação com a inflação, o caminho correto seria subir juros, o que não é o caso”, disse.
Para Braz, os aumentos seriam maiores se o país não estivesse em recessão. Para ele, uma sinalização do governo em relação à questão fiscal que ajudasse a valorizar o real seria uma medida mais eficaz, pois reduziria o preço de alimentos importados e também as exportações de alguns produtos, aumentando a oferta no mercado interno.
Bolsonaro disse que não irá interferir nos preços. “Ninguém pode trabalhar de graça. Mas a melhor maneira de controlar a economia é não interferindo. Porque, se interferir, der canetada, não dá certo”, acrescentou.
Supermercadistas também rechaçam alternativas como tabelamento de preços, mas têm buscado interlocução com o governo para discutir o problema, propondo, por exemplo, a retirada de tarifas de importação.
A Abras (Associação Brasileira de Supermercados) não quis comentar a fala do presidente, mas reiterou preocupações expressas na nota pública divulgada na quintafeira (3), que dizia que o setor tem sofrido aumentos de forma generalizada repassados por indústrias e fornecedores.
A nota alertava para o desequilíbrio entre a oferta e a demanda “para evitar transtornos no abastecimento da população, principalmente em momento de pandemia”.
A entidade disse que está em diálogo com o governo federal sobre o aumento de preços dos itens da cesta básica desde o início de agosto, por meio do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) do Ministério da Justiça. E que teve reuniões com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, nos dias 14 de agosto e 1º de setembro.
Informou ainda que espera que uma nova reunião com o governo federal aconteça na próxima semana.
Já a Apas, associação paulista do setor, disse que tem recomendado a seus associados que negociem com fornecedores, comprem somente o necessário e ofereçam aos consumidores opções de substituição dos produtos mais afetados pela alta de preços.
Nesta sexta, Bolsonaro justificou o aumento de preços pelo pagamento do auxílio emergencial, que levou as pessoas a gastar “um pouco mais”.
“Muito papel na praça, a inflação vem”, disse.
Na quinta, a Apas também citou o auxílio emergencial ao atribuir parte da pressão sobre os preços à pandemia do coronavírus, que trouxe maior consumo de produtos básicos —“tanto pelo auxílio emergencial quanto pelo deslocamento do consumo fora de casa para dentro do lar”.
Nesta sexta, o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) informou que, em agosto, os preços de alimentos básicos aumentaram em 13 das 17 capitais pesquisadas. Em São Paulo, a cesta básisca custou R$ 539,95, alta de de 2,9% na comparação com julho.
Na pesquisa da entidade, no ano, o preço do conjunto de alimentos necessários para as refeições de uma pessoa adulta aumentou 6,6%, e, em 12 meses, 12,15%.
O Dieese afirma que o trabalhador remunerado pelo salário mínimo comprometeu em agosto 48,85% de sua renda líquida para comprar alimentos básicos para uma pessoa adulta, ante 48,26% em julho.