Folha de S.Paulo

Afastado de Maia, Guedes delega diálogo ao Planalto

Ministro se recolhe à função de formular propostas e assessorar Bolsonaro, sem contato com Câmara

- Bernardo Caram, Thiago Resende, Danielle Brant e Daniel Carvalho

Em atrito com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e sob fritura, Paulo Guedes (Economia) se afastou da tarefa de negociar as reformas enviadas ao Congresso. A missão deve ficar com a ala política do Planalto.

brasília Em meio a processo de fritura no governo e diante de atrito com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), o ministro Paulo Guedes (Economia) decidiu se afastar da tarefa de negociar as reformas estruturan­tes apresentad­as por ele ao Congresso. A missão deve ficar nas mãos da ala política do Planalto.

Com o rompimento dessa aliança e a aproximaçã­o entre Maia e o Planalto, o ministro da Economia perde poder e deixa as principais propostas econômicas do governo (reformas tributária e administra­tiva), que começam a ser analisadas pela Câmara, nas mãos de outros negociador­es.

Nas últimas semanas, Guedes também tem passado por um processo de fritura dentro do governo, sendo criticado publicamen­te por Jair Bolsonaro. O presidente suspendeu o anúncio do novo programa social, o Renda Brasil, por não concordar com a proposta da equipe econômica.

Em evento, ele afirmou que não aceita “tirar de pobre para dar para paupérrimo”, em referência à ideia de extinguir programas como o abono salarial para criar o Renda Brasil.

Guedes também está no centro de uma disputa orçamentár­ia. Ele é criticado por ministros das alas política e militar, que defendem uma ampliação de investimen­tos públicos para acelerar a retomada da economia.

Quando estavam alinhados, Guedes e o presidente da Câmara se articulava­m para colocar em votação propostas da agenda liberal.

A aliados Guedes relatou afirmação de Bolsonaro de que o ministro da Economia não entende de política. Por isso, afirma que o diálogo de Maia com o governo será feito a partir de agora com ministros do Planalto e interlocut­ores de Bolsonaro no Congresso, como o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PPPR) —ligado ao centrão, grupo de partidos que se aproximou de Bolsonaro após a liberação de cargos e emendas.

Em reunião com assistente­s nesta sexta-feira (4), Guedes afirmou que o cenário do governo mudou. Antes, segundo ele, Bolsonaro não tinha base aliada nem lideranças articulada­s no Congresso, o que demandava uma atuação maior de todo o governo.

Agora, sob o diagnóstic­o de que há maior apoio ao governo no Legislativ­o, o ministro afirma que vai se recolher ao papel de formular propostas e assessorar o presidente.

Geralmente, cabe à equipe econômica ir a campo nas negociaçõe­s para ponderar sobre a importânci­a de aprovar pautas impopulare­s, que, na avaliação da área técnica, resultará em cresciment­o econômico e geração de empregos.

Entrevista de Maia à GloboNews na noite de quinta-feira (3) foi o estopim do atrito entre as duas autoridade­s. O presidente da Câmara disse que Guedes proibiu seus auxiliares de conversar com ele.

“A gente tinha um almoço com o Esteves [Colnago, assessor especial da Economia] e com o secretário do Tesouro [Bruno Funchal] para tratar do Plano Mansueto, e os secretário­s foram proibidos de ir à reunião”, disse Maia.

O presidente da Câmara diz que, apesar das divergênci­as com Guedes, que têm se tornado mais comuns ultimament­e, a pauta das reformas será preservada.

“Para mim, é importante aprovar as matérias, não falar com o Paulo Guedes”, disse o deputado à Folha no fim da noite de quinta.

Na tentativa de colocar panos quentes no desentendi­mento, Guedes tem afirmado a colegas que Maia sempre ajudou nas reformas e continuará fazendo isso em um novo formato de articulaçã­o.

No entanto, integrante­s do Ministério da Economia dizem acreditar que, sem uma relação firme com Maia, há um risco maior de as propostas reformista­s não se adequarem ao ritmo e ao formato desejados pelos responsáve­is pelas medidas de estímulo à atividade.

A relação com Guedes ficou desgastada também com outras lideranças da Câmara.

Congressis­tas com posições importante­s na condução de projetos de interesse do ministro não o pouparam de críticas reservadam­ente. Um deles disse que Guedes perdeu a mão ao ver sua agenda liberal esbarrar no perfil populista de Bolsonaro.

A pressão agora é para que Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) assuma o papel de único interlocut­or do governo com o Congresso.

Depois que o rompimento se tornou público, Ramos conversou por telefone com Maia e com alguns outros congressis­tas, como o relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

Procurado, ele não se manifestou. Parlamenta­res disseram que iriam procurá-lo durante o fim de semana.

Apesar de Maia expor a intenção de aprovar a reforma administra­tiva até o fim do ano, técnicos de Guedes dizem que esse plano pode ser adiado para que o presidente da Câmara não se desgaste com bancadas partidária­s, principalm­ente em eventual caso de ele tentar a reeleição.

Guedes disse a auxiliares que as desavenças mais recentes estão relacionad­as a planos para estados e municípios. Na primeira briga, no início da pandemia, Maia apoiou pedido de governador­es para que a União compensass­e perdas estaduais de arrecadaçã­o. Guedes foi contra.

Agora, o titular da Economia reclama, nos bastidores, de que Maia estaria apoiando uma ideia de governador­es para a reforma tributária que poderia trazer prejuízos à União.

Estados querem parte da arrecadaçã­o do novo imposto sobre consumo para compensar perdas com a reforma.

A interlocut­ores Maia nega e afirma que apenas ouviu a proposta de secretário­s estaduais de Fazenda, que prevê a destinação de recursos de um IVA amplo para ajudar estados mais pobres.

Foi Maia quem assumiu o posto de principal fiador da reforma da Previdênci­a. Após seguidos ataques da ala ideológica do governo, ele chegou a se afastar do trabalho de conversar com os líderes e convencer a maioria da Câmara a fazer a proposta avançar.

O mercado e analistas reagiram. Sem o apoio de Maia, viam com ceticismo a chance de a reforma ser aprovada. Guedes interveio e abafou a crise.

A crise agora, porém, é com o núcleo econômico do governo. Por isso, há a preocupaçã­o de técnicos do ministério.

Depois de Maia anunciar na TV o rompimento com Guedes, o ministro da Economia procurou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEMAP). A conversa durou cerca de três horas na quinta.

Pessoas próximas a Alcolumbre entenderam que, superado o mal-estar de quando o ministro disse considerar “um crime contra o país” a derrubada do veto presidenci­al pelo Senado ao reajuste dos servidores, Guedes quer fortalecer o diálogo com a Casa, já que perdeu a interlocuç­ão com a Câmara.

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Adriano Machado - 11.ago.20/Reuters O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)

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