Folha de S.Paulo

Suas excelência­s e a reforma

- Cristina Serra

O cerne da reforma administra­tiva deve ser melhorar o serviço público. Uma reforma crível tem de acabar com regalias e benesses inaceitáve­is, implantar transparên­cia na prestação de contas e respeitar o contribuin­te.

brasília A reforma administra­tiva volta mais uma vez ao debate e a proposta do governo não vai ao que interessa: qual o Estado de que precisamos? A quem ele deve servir? Como o Estado deve dar conta de suas responsabi­lidades em saúde, educação e segurança, ao mesmo tempo em que coíbe distorções e privilégio­s da elite do setor público?

Por exemplo, como acabar definitiva­mente com os artifícios que furam o teto constituci­onal de R$ 39.000, valor do salário de ministro do STF? Brasil afora, os próprios tribunais são os primeiros a burlar a lei com uma coleção de artifícios: auxílios, verbas, vantagens, gratificaç­ões, adicionais e outras afrontas ao teto, mascaradas pela corrupção do idioma.

O que dizer do plano de saúde vitalício dos senhores senadores e exsenadore­s, que também beneficia cônjuges e dependente­s? É a assistênci­a mais generosa do mundo. Tudo pago com o meu, o seu, o nosso dinheiro. E que tal reduzir o número de 25 assessores que cada deputado pode contratar ? Ou alguém acha que o esquema de “rachadinha” foi inventado pelo 01?

E, como perguntar não ofende, por que juízes tem direito a férias de 60 dias? Talvez seja a lentidão dos processos. Há uma semana, o Supremo encerrou uma ação que começou a tramitar em 1895! É, deve ser extenuante lidar com causas que atravessam os séculos.

Na ponta do lápis, a proposta não tem impacto nas contas públicas, poupa a aristocrac­ia dos poderes civis e os militares, mas traz uma malandrage­m perigosíss­ima: reduz atribuiçõe­s do Congresso e deixa à mercê da caneta presidenci­al a extinção de órgãos essenciais como Ibama, ICMBio, Incra e Funai.

O cerne da reforma deve ser melhorar o serviço público, e não destruí-lo ao bel-prazer do governante de turno. Uma reforma crível e eficiente tem que acabar com regalias e benesses inaceitáve­is, implantar total transparên­cia na prestação de contas e respeitar o contribuin­te. Mas eu sei, e você também, que isso é pedir demais de suas excelência­s.

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