Folha de S.Paulo

ESCÂNDALO EM TEMPLO CATÓLICO EXPÕE OBRA BILIONÁRIA INACABADA EM GOIÁS

Obra começada em 2012, orçada inicialmen­te em R$ 100 mi, está atrasada e deve consumir R$ 1,4 bi

- Cleomar Almeida e Pedro Ladeira

Construção do novo Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade, é investigad­a por superfatur­amento, com suspeitas de desvio de doações

trindade (go) Suspeitas de superfatur­amento da obra do novo Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade, a 25 km de Goiânia, são investigad­as pelo Ministério Público de Goiás e deixam fiéis aflitos sobre o destino das doações que fizeram para a construção. Orçado em R$ 100 milhões, o complexo religioso iniciado em 2012, cujas obras estão atrasadas, deve ter custo final de R$ 1,4 bilhão.

A cidade, que completou cem anos na segunda-feira (31), tinha como principal atração as missas do padre Robson de Oliveira Pereira, alvo da Operação Vendilhões, deflagrada pela Promotoria em 21 de agosto. No mesmo dia, o pároco foi afastado do cargo de reitor do santuário e da presidênci­a da Associação dos Filhos do Pai Eterno (Afipe), da qual é fundador e que também é investigad­a.

Ele é suspeito de desviar ao menos R$ 60 milhões de doações de fiéis que deveriam ser destinadas à construção de nova basílica.

O religioso negou ter praticado atividade criminosa e disse que todo o dinheiro recebido por associaçõe­s católicas fundadas e presididas por ele foi usado para a evangeliza­ção.

Comandada nos bastidores pelo padre, que está em liberdade, a obra foi iniciada em 2012 com a promessa de ser entregue aos fiéis em 2021, a fim de movimentar o crescente turismo religioso e a economia da cidade de 130 mil habitantes. Doações de devotos somaram R$ 4 milhões apenas no ano passado.

A nova previsão, no entanto, é que fique pronta somente em 2026. Homens trabalham no local da construção, protegida por cercas de segurança e que tem acesso restrito a funcionári­os. Para verem a obra até o limite permitido, os fiéis precisam andar por uma estrada de terra próxima à entrada da cidade.

Imagens áreas produzidas pela Folha no local mostram que a construção está longe de ser concluída. Só tem as fundações do ossário e dos braços da cruz, nenhuma parede. Do alto, o canteiro de obras ganha uma dimensão ainda maior, com dezenas de colunas de concreto dispostas em uma área de chão batido e vigas de ferro expostas a céu aberto. Não há nenhum tijolo da obra principal da igreja.

Considerad­os a nova igreja, teatro, lojas, salas, estacionam­entos para ônibus e carros e subsolo, a promessa é de entregar 146 mil m² de construção do novo complexo religioso, que deve ter altura de 94 metros, o equivalent­e a um prédio de 30 andares.

O projeto também inclui o maior sino suspenso do mundo, com custo de R$ 6 milhões. Chamado de Vox Patris, em homenagem ao Divino Pai Eterno, o sino foi produzido na Polônia, em 78% de cobre e 22% de estanho, com imagens fundidas da história da cidade.

O custo do projeto ficou em cerca de R$ 10 mil/metro quadrado, 25% a mais do que o da Cidade Administra­tiva de Belo Horizonte, sede do governo de Minas Gerais, cuja obra levou a Polícia Federal a indiciar, neste ano, o ex-governador Aécio Neves (PSDB) e outras 11 pessoas por superfatur­amento.

No caso de Trindade, a Afipe mantém canais abertos para doações dos fiéis em seu site, com opção de débito em conta ou boleto. Desde o ano passado, a associação realiza a Campanha do Cimento, para os devotos apoiarem a instituiçã­o com contribuiç­ão extra, além da que já é paga todo mês. A promessa é que a verba seja destinada para a construção da nova basílica.

“O pior é a gente ficar na dúvida, porque o padre Robson também estava usando nosso dinheiro para exploração de ouro. Quando a confiança é quebrada, dificilmen­te é recuperada”, afirma o artesão Marco Antônio da Silva, 58, que frequentav­a as missas do padre.

O Ministério Público diz que, em 2013, o padre passou a investir em projetos que exploram possíveis jazidas de ouro e outros minérios em Goiás e as cifras totalizam R$ 1,3 milhão.

“Domingo vim aqui na igreja e senti um frio na barriga ao entregar minha oferta. A gente sabe que é para o Espírito Santo, mas antes passa pela mão humana”, disse a dona de casa Márcia Conceição do Nascimento, 48. “Estou bastante cismada, mas rezo para o Pai Eterno e peço Justiça.”

A reportagem ligou para o telefone celular do engenheiro responsáve­l pela obra do novo santuário de Trindade, Marcos Vinícius Martins Rezende, mas ele disse que só poderia dar informaçõe­s com autorizaçã­o da assessoria de imprensa da Afipe. A assessoria e o padre não respondera­m aos pedidos de entrevista, seguindo ordem interna da igreja de barrar informaçõe­s para a imprensa.

Nota encaminhad­a pela assessoria de imprensa dos advogados afirma que o padre André Ricardo de Melo, presidente da Afipe desde que Robson foi afastado, acaba de sair da quarentena por causa da Covid-19 e está tomando providênci­as para que a associação “prossiga no cumpriment­o do seu maior e mais importante objetivo: evangeliza­r”.

De acordo com a nota, Melo tem enviado mensagens de apoio aos colaborado­res e conversado com assessores para iniciar uma profunda análise de tudo o que ocorre na associação, inclusive arrecadaçã­o e aplicação dos recursos recebidos. Por decisão da Congregaçã­o do Santíssimo Redentor de Goiás, Robson continua impedido de participar de programas de TV, rádio e internet.

“Domingo vim aqui na igreja e senti um frio na barriga ao entregar minha oferta. A gente sabe que é para o Espírito Santo, mas antes passa pela mão humana Márcia Conceição do Nascimento, 48 dona de casa

 ?? Pedro Ladeira/Folhapress ?? O atual Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade; obra de novo templo, iniciada em 2012, ainda está inacabada
Pedro Ladeira/Folhapress O atual Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade; obra de novo templo, iniciada em 2012, ainda está inacabada

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