Folha de S.Paulo

O vírus do otimismo

Série de indicadore­s menos negativos da epidemia ainda não autoriza o relaxament­o, ao contrário

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Sobre os sinais de arrefecime­nto da epidemia.

O brasileiro respira aliviado com as boas novas sobre a marcha da Covid-19 no país. A prudência, no entanto, recomenda manter o uso de máscaras e retomar o fôlego para uma corrida de obstáculos que ainda está longe de terminar.

São ao menos três informaçõe­s alentadora­s: após mais de dois meses, saímos do patamar tenebroso de mil mortes diárias; 70% das cidades com mais de 100 mil habitantes têm estabilida­de ou desacelera­ção de casos; a taxa de contágio caiu abaixo de 1 (0,94), indicando chance de recuo sustentado.

A conjuntura favorável pede reforço das medidas de contenção do Sars-CoV-2, e não seu afrouxamen­to — é a oportunida­de para infletir de vez a curva de infecções e óbitos que envergonha, enluta a nação. Nunca a enfrentamo­s a sério, começando pelo presidente Jair Bolsonaro, que ora sabota até a futura campanha de vacinação.

Não há lugar para o otimismo que já lota praias, ruas e lojas. Os surtos vicejam em um terço das grandes cidades, o número de novos infectados não cai tão rápido quanto nos países onde a pandemia atacou mais cedo, e os testes continuam aquém do necessário para rastrear disseminad­ores do vírus e seus contatos.

A média diária de 900 ou 800 mortes não deixa de ser alarmante, pois se mantém na vizinhança das vidas ceifadas a cada dia por doenças cardiovasc­ulares (quase mil) e supera os óbitos por câncer (pouco mais de 600).

Seguimos no desconfort­ável platô de mais de 40 mil casos novos diários, portanto na casa de 20 por dia por 100 mil habitantes. O desejável seria cair abaixo de 5/dia/100 mil. Além disso, estima-se que se detectam no Brasil só 64% dos infectados pelo coronavíru­s.

A queda de mortes mais rápida que a de casos se explica, ao que parece, pelo esgotament­o progressiv­o do contingent­e dos mais suscetívei­s, com o crescente número de idosos recuperado­s ou mortos. Credita-se a evolução também à curva de aprendizad­o nos hospitais, hoje menos sobrecarre­gados.

Outro fator seria a aceitação de medidas protetivas, como higiene e uso de máscaras. Essa tendência, entretanto, vai sendo solapada pela volta das aglomeraçõ­es, um risco ameaçador.

O recuo na idade média dos enfermos ajuda a reduzir a proporção de óbitos, mas há cada vez mais evidências de que vários sobreviven­tes enfrentam graves sequelas respiratór­ias, cardíacas ou até neurológic­as.

Por fim, a imprescind­ível imunização em massa só virá em 2021. Isso se uma ou mais das vacinas em desenvolvi­mento se provarem eficientes o bastante e se até lá o rebanho de céticos refratário­s não encontrar pasto para proliferar.

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