Pressão dos EUA contra o 5G chinês enfrenta dificuldade na África
Dois países da região operam com tecnologia da empresa Huawei, principal alvo dos americanos
brasília A pressão americana contra o 5G chinês vem surtindo efeito, mas os EUA devem encontrar mais resistência no continente africano do que em países como Reino Unido, Japão, Austrália e Brasil.
Na África, a disseminação do 5G ainda é uma realidade distante. O acesso ao 3G no continente suplantou o uso do 2G somente em 2019. Em comparação, no Brasil mais de 70% dos acessos por celular são feitos no 4G —cada geração representa um salto tecnológico em relação a anterior.
Apesar disso, ao menos quatro países africanos já realizaram testes com a nova geração e dois já começaram a operar a tecnologia. Na África do Sul e no Lesoto, as operadoras Rain e Vodacom oferecem o 5G comercialmente em algumas cidades com tecnologia da chinesa Huawei —o principal alvo das pressões americanas.
Os testes foram feitos em Uganda, no Quênia e na Nigéria, todos com tecnologia da China. Madagascar também fez testes, mas usou a tecnologia da sueca Ericsson.
Em julho, o secretário de Defesa dos EUA, Mark Esper, afirmou que “a maré está virando” contra a China na disputa pelo mercado de 5G, referindo-se à exclusão da Huawei do fornecimento de infraestrutura crítica para a tecnologia no Reino Unido.
Além dos britânicos, Japão, Austrália e Brasil já mostraram que concordam com a premissa americana de que sistemas chineses são uma ameaça à cibersegurança dos países —por permitirem o vazamento de dados confidenciais para Pequim.
A Huawei é vista nos EUA como um ator estatal, apesar de não pertencer ao governo chinês. Fundada em 1987 por um ex-chefe militar, a empresa tem laços estreitos com o regime comunista.
Desde 2012, domina o mercado de infraestrutura para celulares e lidera o fornecimento de 5G no mundo, principalmente por oferecer soluções mais baratas do que a concorrência —hoje centrada na Ericsson, na finlandesa Nokia e na sul-coreana Samsung.
O 5G é a base da chamada internet das coisas. Assim como o 4G permitiu o florescimento de empresas em torno de um ecossistema de aplicativos e serviços, o 5G promete um salto ainda maior.
No Brasil, as quatro grande operadoras (Claro, Vivo, Oi e TIM) já fizeram testes de rede com a chinesa e suas concorrentes, mas uma ala do governo de Jair Bolsonaro comprou a briga geopolítica dos EUA. Com isso, o leilão do 5G, inicialmente previsto para novembro deste ano, só deve ocorrer em 2021, com prováveis restrições à empresa chinesa.
Para Cobus Van Staden, pesquisador sênior do Instituto de Relações Internacionais da África do Sul e especialista nas relações entre o continente e a China, é improvável que a pressão americana se concretize na África.
Segundo ele, a Huawei já se tornou parte da vida africana e “em muitos casos a escolha é entre ela ou nenhuma internet”. “Não só os equipamentos da Huawei são mais acessíveis, mas quando a empresa negocia um contrato, ele é facilitado por financiamentos muito eficazes de bancos chineses que levam poucos meses para concretizá-los”, afirma.
Além disso, o pesquisador diz que a necessidade de troca de equipamento tornaria o banimento da Huawei inviável, já que a infraestrutura de telecomunicações de grande parte dos países já tem a presença da empresa chinesa, que domina o 4G no continente.
“São equipamentos novos, que funcionam bem e que teriam que ser substituídos por outro equipamento para o qual não há financiamento.”
Alison Gillwald, diretoraexecutiva do Research ICT Africa, também enxerga dificuldades para a pressão americana. Para ela, como os sulafricanos não são alinhados aos EUA, não há pressão política ou diplomática suficiente para que o país confronte o que as operadoras desejarem.
“O custo da comunicação é inatingível por grande parte da população e o 5G ainda mais. Trocar a tecnologia da Huawei para uma mais cara não faria sentido do ponto de vista comercial”, afirma.
A cibersegurança não é uma preocupação menor na África. Na verdade, é uma das 15 prioridades da União Africana em seu plano de desenvolvimento Agenda 2063.
Atualmente a África tem 1,3 bilhão de habitantes, sendo que quase metade é nascida depois de 2000. Até 2050, a população deve dobrar, levando o continente a contabilizar cerca de um quarto da população mundial. É um mercado promissor para empresas de tecnologia, mas o quadro atual ainda é de baixa penetração da internet, especialmente nas áreas rurais.
Estimativas da União Internacional de Telecomunicações apontam que a África Subsaariana tinha 80 planos de celular e 34 planos ativos de banda larga móvel a cada 100 habitantes. No Brasil, por exemplo, os números de planos de celular ativos e planos com banda larga móvel são 106,8 e 93,3 para cada 100 habitantes, respectivamente.
Além de estar menos conectado, o continente lida com uma internet em velocidade bastante reduzida comparativamente. Ainda assim, Gillwald acredita que os países africanos não devem se atropelar no processo de desenvolvimento da nova tecnologia em nome de pretensa redução da desigualdade digital.
Segundo ela, o 5G atende apenas a uma restrita elite e, para evitar uma ampliação acentuada da desigualdade de acesso em um mesmo país, será necessária uma forte política regulatória —que não aconteceu nos leilões de telecomunicações na África do Sul.
Para alguns analistas, no entanto, a preferência pela Huawei pode minimizar a diferença natural no tempo de adoção do uso comercial do 5G por países africanos.
Para Staden, a empresa chinesa está tão à frente de seus competidores que os países que estão proibindo sua presença ou se vendo na obrigação de substituir infraestrutura já existente podem acabar atrasando sua disseminação. Enquanto isso países africanos não indicam estarem dispostos a perder tempo em questões ideológicas.
“Ainda que vá levar quase uma década para que certas áreas rurais sejam atendidas por 3G, nas cidades tem gente querendo 5G.”