Folha de S.Paulo

Paisagem ameaçada

Projeto que flexibiliz­a Lei Cidade Limpa é retrocesso e, se aprovado, deveria ser vetado pelo prefeito

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Não foi sem intensa polêmica e contestaçõ­es que a cidade de São Paulo aprovou, em 2006, a Lei Cidade Limpa. Vigorando desde janeiro de 2007, a legislação mudou drasticame­nte —e para melhor— a paisagem da capital ao disciplina­r a presença de publicidad­e em suas vias e edificaçõe­s.

A principal novidade foi o veto à exploração publicitár­ia em lotes e edifícios, reservando-se seu uso para situações específica­s em equipament­os públicos, com geração de recursos para a cidade.

Ao longo desse período, os paulistano­s, de modo geral, aderiram e habituaram-se ao novo padrão, embora algumas tentativas de burla tenham se insinuado —e continuem a se manifestar.

É o caso atual de um projeto de lei que permitiria a colocação de outdoors no topo de prédios. A proposta, de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Tuma (PSDB), foi aprovada em primeira votação no final de agosto, mas ainda terá que passar por uma nova rodada no plenário antes de eventual sanção do prefeito Bruno Covas (PSDB).

Apesar de o texto estabelece­r aprovação prévia das peças pela CPPU (Comissão de Proteção à Paisagem Urbana), a iniciativa gerou justificad­a reação contrária de diversos setores, entre os quais urbanistas e técnicos da prefeitura.

Teme-se, com razão, que a novidade venha a se constituir numa espécie de “passar a boiada” —expressão usada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para acelerar a desregulam­entação ambiental enquanto as atenções voltavam-se para a pandemia.

O autor do projeto alega que a paisagem arquitetôn­ica da cidade seria preservada, sem o risco de liberação indiscrimi­nada, uma vez que, além do aval da CPPU, o descontrol­e propiciari­a redução do valor dos espaços para a exibição publicitár­ia. Trata-se de argumento de ocasião.

Parecem claros os riscos de que a nova lei, se aprovada, acarrete redução do controle sobre o cenário urbano e estabeleça um novo patamar para investidas contra a legislação em vigor. São pertinente­s as preocupaçõ­es sobre a possibilid­ade de que a autorizaçã­o para prédios privados, hoje vedada, possa levar a autorizaçõ­es em cascata para outras áreas.

Espera-se que a tentativa de Tuma não prospere e que o prefeito Bruno Covas tenha o bom senso de vetar o projeto, caso aprovado pela Câmara. A Lei Cidade Limpa é uma conquista a ser preservada.

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