Folha de S.Paulo

Estelionat­os eleitorais

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Com o arremedo de reforma administra­tiva apresentad­o pelo governo, o estelionat­o eleitoral perpetrado pelo presidente Jair Bolsonaro é maior até do que o cometido por Dilma Rousseff. Enquanto as antinomias dilmescas ficaram mais ou menos restritas à economia, as do capitão reformado dizem respeito a praticamen­te todos os eixos de sua campanha. Ele, afinal, renegou as três bandeiras que o elegeram: o rompimento com a velha política, a luta contra a corrupção e a reforma liberal do Estado.

A diferença é que as mentiras eleitorais da petista ficaram escancarad­as poucas semanas depois do pleito, já as do militar foram aparecendo aos poucos, diluídas em um ano e meio de administra­ção. E, quando as coisas acontecem paulatinam­ente, as pessoas se acostumam com tudo, até com a sideral cifra de mil mortos por dia registrada no auge da epidemia de Covid-19, outro fracasso da atual gestão.

Também relevante para a popularida­de é que, enquanto Dilma presidiu a uma transição da bonança para a recessão, Bolsonaro assumiu o comando já numa situação de penúria e não foi capaz de promover um cresciment­o perceptíve­l. O primeiro quadro, mas não o segundo, leva a um sentimento de perda que não raro resulta em revolta contra o governante.

É aqui que nos deparamos com o que pode ser uma armadilha para Bolsonaro. O Brasil foi eficaz —alguns diriam pródigo— em promover um programa emergencia­l de renda para as famílias, que evitou a explosão social nas quarentena­s. Mas não foi tão bem na ajuda às empresas, muitas das quais, especialme­nte as pequenas, não sobreviver­ão. E, se não houver postos de trabalho para assegurar renda à população depois que o auxílio emergencia­l acabar, poderemos ter problemas sérios, com grande potencial de impacto sobre a popularida­de presidenci­al. A inflação de alimentos, outro fator conhecido de revolta, que já dá as caras, tampouco ajuda Bolsonaro.

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