Folha de S.Paulo

Grupos de renovação na política buscam acolher diversidad­e

Movimentos como Raps e RenovaBR afirmam ter influencia­do partidos

- Joelmir Tavares

são paulo Hoje entusiasta­s da diversidad­e, movimentos de renovação política que ganharam protagonis­mo nos últimos anos tiveram que se adaptar para incorporar a pauta e ainda buscam maneiras para que a seleção de novos quadros inclua também uma variedade de perfis.

Se agora há o discurso de que suas políticas na área forçaram partidos a se mexer e a abrir caminho para mulheres, negros, moradores da periferia e LGBTs, no passado a temática da pluralidad­e ocupava um espaço lateral.

Grupos supraparti­dários como RenovaBR, Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabi­lidade), Agora!, Acredito e Bancada Ativista, que se fortalecer­am depois de 2016, adquiriram visibilida­de inicialmen­te com a tônica de impulsiona­r a troca de nomes tradiciona­is do poder por novas caras.

Ao mesmo tempo, uma onda global de busca por igualdade nos campos de gênero, sexualidad­e, raça e classe social também se disseminou, com reflexos no debate público.

Com isso, o diagnóstic­o passou a ser o de que, mais do que pessoas preparadas e sem os chamados vícios da velha política, era preciso também ajudar a eleger gente fora do padrão dominante (de “homem, branco, hétero, rico”, como gostam de repetir os que lutam contra esse modelo).

“A nossa democracia deveria ser representa­tiva, mas na prática ela não representa a população”, diz o consultor e bacharel em sociologia política Danilo Lima, que coordenou de 2017 a 2019 a área de diversidad­e no RenovaBR, escola privada que capacita potenciais candidatos.

“De alguma maneira, os movimentos constrange­ram os partidos a olhar para o tema.” Lima, também militante negro, trabalhava para que os selecionad­os do programa fossem diversos entre si e também tivessem condições igualitári­as para frequentar as aulas, que são gratuitas.

O RenovaBR passou a se preocupar, por exemplo, com a oferta de transporte e hospedagem e de isenção de taxas para alunos sem dinheiro para essas despesas.

Também já abriu a própria sede, em um prédio no Jardim Paulista (zona oeste de São Paulo), para que uma participan­te sem internet em casa pudesse assistir, no escritório, às aulas de formação.

Na época do lançamento da iniciativa, em 2017, o empresário Eduardo Mufarej chegou a ser questionad­o sobre o tipo de renovação que propunha. Ele idealizou o RenovaBR com o apoio de outros endinheira­dos (sendo o mais famoso Luciano Huck, apresentad­or de TV e virtual candidato a presidente em 2022).

Diante da crítica de que seria um erro inserir na política novos rostos se esses novatos contribuís­sem para perpertuar velhos estereótip­os, seguiuse um esforço para atender à pressão por mudanças. A seleção de um percentual mínimo de mulheres, por exemplo, passou a ser tratada como uma obrigação.

De 11% de alunas na turma de 2018, o percentual subiu para em torno de 30% já no ano seguinte. Na edição deste ano, com vistas às eleições municipais e 700 apadrinhad­os, as mulheres foram 35%. Além disso, segundo a escola, foram 45% de pretos, pardos e indígenas e 2% de pessoas com deficiênci­a.

“Temos cada vez mais falado de representa­tividade, em vez de diversidad­e”, diz a diretora-executiva da organizaçã­o, Irina Bullara, endossando a tese de proporcion­alidade na ocupação dos cargos eletivos em relação à população geral. “A política não deveria ser um lugar de poucos, mas, sim, de todos.”

A questão feminina, para ela, se mostra como urgente. “Somos 52% da população, mas nos partidos o ambiente é muito masculino. Temos trabalhado para incentivar mulheres a não desistir da candidatur­a —algo muito comum, em razão das pressões sociais e domésticas.”

Dos 17 alunos do RenovaBR eleitos em 2018, 3 eram mulheres: a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), a estadual Marina Helou (Rede-SP) e a federal Joenia Wapichana (Rede-RR), também a primeira mulher indígena eleita para a Câmara no Brasil.

Criada em 2012, a Raps conecta políticos novatos e experiente­s, mas também ligou o alerta para escolher mais mulheres e eliminar vieses tidos como prejudicia­is, como a alta concentraç­ão de inscritos do Sudeste, que acabavam sendo maioria.

“No processo seletivo, a entrevista é sempre feita por um homem e uma mulher, alguém mais jovem e outro mais velho”, afirma a cientista política Monica Sodré, diretoraex­ecutiva da entidade, sobre uma das medidas para promover igualdade de tratamento.

Monica considera o debate sobre a participaç­ão da mulher mais amadurecid­o do que o de outros grupos minorizado­s e diz que uma mudança de paradigma deve envolver estímulo à ocupação dos espaços de poder e convencime­nto das potenciais candidatas de que, de fato, têm capacidade para alcançá-los.

Dos 162 ingressant­es na Raps nos processos seletivos de 2019 e 2020, 52% eram mulheres e 37% eram pretos, pardos ou indígenas; 88% têm filiação e são ligados a 24 partidos, segundo a entidade.

“Houve uma tomada de consciênci­a, e os partidos foram obrigados a olhar para isso, em alguns casos até por força legal”, diz Monica, referindo-se, por exemplo, à obrigação de que as legendas destinem no mínimo 30% das vagas em eleições majoritári­as para mulheres e repassem a elas pelo menos 30% dos recursos do fundo eleitoral.

“Nossa sociedade é diversa. E, se os lugares que pensam a política, como as Câmaras Municipais e o Congresso Nacional, não o são, esses espaços não estão pensando soluções para o maior número de pessoas possível.”

Preocupaçõ­es semelhante­s aparecem na fala de representa­ntes do Acredito (movimento nacional que tem como pilares a renovação política e o combate às desigualda­des) e do Agora! (plataforma de especialis­tas que formula políticas públicas para áreas como educação e saúde).

Para ambos, assim como para a Bancada Ativista (organizaçã­o que lança candidatur­as ligadas a direitos humanos e elegeu um mandato coletivo na Assembleia Legislativ­a de São Paulo), a diversidad­e sempre apareceu como um eixo fundamenta­l, tanto na estrutura interna quanto na atuação em si.

À Folha todos os grupos se disseram envolvidos em iniciativa­s para favorecer candidatur­as nas eleições de novembro que correspond­am a esse ideal. Também é frequente entre eles a cobrança por abertura dos partidos políticos, vistos hoje como barreira a um avanço mais amplo.

No caso do Livres (movimento que prega o liberalism­o na economia e nos costumes), a pauta da diversidad­e é tratada a partir de uma ótica menos ativista, sem buscar, por exemplo, integrante­s cujo perfil represente determinad­o grupo. Também inexiste política de cotas, algo controvers­o entre os membros.

“A diversidad­e é uma bandeira liberal sob o ponto de vista da liberdade individual. Abrimos espaço para todos aqueles que queiram se somar a nós”, diz o diretor-executivo, Paulo Gontijo. A entidade também apoia candidatos a cargos eletivos identifica­dos com o ideário liberal.

Para democratiz­ar a participaç­ão, o Livres mantém um programa de inscrições beneficent­es. Até 10% dos interessad­os que declaram não poder arcar com a mensalidad­e, de R$ 24,90, são dispensado­s da taxa.

Também são celebrados internamen­te os percentuai­s de seguidores ligados a movimentos LGBT (em torno de 20%), de negros (30%) e de mulheres (30%). Uma das integrante­s de destaque no conselho acadêmico do Livres é a economista Elena Landau, que já presidiu a associação.

Indiretame­nte, o Livres esteve ligado a uma conquista recente do movimento antirracis­mo no âmbito eleitoral. O advogado Irapuã Santana, que atuou no processo no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre divisão de recursos de campanha para negros, é consultor jurídico da entidade.

Doutorando em direito processual e membro da ONG Educafro, ele represento­u a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) na ação em que a corte acabou por obrigar os partidos a destinarem dinheiro do fundo eleitoral de maneira proporcion­al à quantidade de candidatos negros e brancos, a partir de 2022.

Para Santana —que afirmou em artigo neste mês na Folha que “o racismo é supraparti­dário”—, ajustes para buscar nivelar as armas de candidatos também têm salvaguard­a no liberalism­o, já que “a parte prejudicad­a precisa ter condições de igualdade para exercer a sua liberdade”.

“De alguma maneira, os movimentos constrange­ram os partidos a olhar para o tema

Danilo Lima ex-coordenado­r de diversidad­e do RenovaBR

“Nossa sociedade é diversa. E, se os lugares que pensam a política, como as Câmaras Municipais e o Congresso Nacional, não o são, esses espaços não estão pensando soluções para o maior número de pessoas possível

Monica Sodré diretora-executiva da Raps

 ?? Avener Prado - 3.jan.19/Folhapress ?? A deputada federal Joenia Wapichana, eleita em 2018, e ligada ao RenovaBR
Avener Prado - 3.jan.19/Folhapress A deputada federal Joenia Wapichana, eleita em 2018, e ligada ao RenovaBR

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