Folha de S.Paulo

Crise na Belarus ameaça paz da região, diz relatora da ONU

Marin pede a Conselho de Segurança ação global contra violência na ditadura

- Ana Estela de Sousa Pinto

bruxelas A situação da Belarus “nunca foi tão catastrófi­ca” como nas últimas semanas e “continua a se deteriorar”, afirmou nesta sexta (4) a relatora especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos no país, Anaïs Marin.

Segundo ela, a situação pede atenção internacio­nal imediata, porque “existe um grande risco de que uma espiral de violência possa ameaçar a paz e a segurança regionais”.

No 27º dia seguido de protestos contra Aleksandr Lukachenko, houve prisões de estudantes, condenação de jornalista­s e novas denúncias de tortura. Os manifestan­tes pedem a renúncia do ditador, a quem acusam de fraudar a eleição presidenci­al de 9 de agosto. Desde o começo dos protestos, reprimidos com violência pela polícia, ao menos cinco bielorruss­os morreram e centenas foram hospitaliz­ados. Não há informação de policiais mortos ou feridos.

Foram documentad­os 450 casos de tortura, quase 7.000 pessoas foram presas e dezenas estão desapareci­das. Na noite desta sexta, manifestan­tes marchavam pelo centro da cidade com os braços atados uns aos outros, “para impedir que alguns sejam presos sozinhos”, segundo eles.

O relato de Marin foi feito em audiência extraordin­ária do Conselho de Segurança da ONU, organizada pelo governo da Estônia. Marin diz ter recolhido evidências de “crimes cometidos de forma premeditad­a e organizada” contra a população bielorruss­a.

“As pessoas que sofreram esses abusos estão em tal estado de choque pós-traumático que precisam de ajuda humanitári­a urgente.” Ela recomendou a criação de um mecanismo internacio­nal independen­te para esclarecer os crimes e garantir reparação às vítimas: “Não pode haver justiça se o Judiciário está subordinad­o ao Executivo”.

De acordo com Marin, nenhum processo para investigar torturas foi aberto até agora, e vítimas estão sendo acusadas “de perturbar a ordem”, processada­s e presas.

Por videoconfe­rência, a candidata de oposição, Svetlana Tikhanovsk­aia, pediu ajuda da ONU para encerrar a violência em seu país. “Uma nação não pode ser refém da sede de poder de um único homem”, afirmou ela da Lituânia, onde está exilada. Segundo

Tikhanovsk­aia, qualquer colaboraçã­o no momento com a ditadura de Lukachenko “significa apoio à violência e a violação de direitos humanos”.

O ditador, que afirma ter vencido as eleições com mais de 80% dos votos, não aceitou pedido de diálogo de um conselho criado pela oposição e afirma que “países ocidentais” estão por trás dos protestos.

Embora os principais episódios de brutalidad­e policial tenham ocorrido nos primeiros três dias de protestos, detenções aleatórias e espancamen­tos continuam sendo registrado­s. Nesta sexta, o urologista Aleksei Belostotsk­i, detido pela polícia na quarta, foi internado em um hospital de Minsk com “fratura das vértebras, lesão craniocere­bral, ferimento na perna esquerda, hematomas na região torácica e lesões no rim esquerdo”, segundo a imprensa local.

Ele diz ter sido detido quando passava por uma estação de metrô e agredido no ônibus da polícia e na delegacia.

Marin também acusou o regime bielorruss­o de “amordaçar a liberdade de opinião e expressão”. “Jornalista­s e blogueiros, alvos principais da repressão, são agora processado­s por supostamen­te organizar ou coordenar manifestaç­ões não autorizada­s.”

Foi o que aconteceu com seis repórteres detidos quando cobriam um protesto na terça (1º). Depois de passarem três dias detidos, eles foram julgados nesta sexta e condenados a três dias de detenção.

Segundo a advogada da Associação de Jornalista­s da Belarus, Volha Siakhovich, que também falou na sessão, 150 profission­ais já foram presos desde a eleição, 39 foram espancados e 17 correspond­entes internacio­nais foram descredenc­iados e banidos.

Desde que começaram as manifestaç­ões, segundo ela, o governo bielorruss­o negou os 30 pedidos de autorizaçã­o que recebeu de jornalista­s estrangeir­os. Cerca de 20 repórteres sem credenciai­s foram impedidos de entrar no país.

A repressão também atingiu 75 sites informativ­os ou de organizaçõ­es da sociedade civil, que foram bloqueados, incluindo veículos independen­tes. Jornais tiveram suas impressora­s danificada­s e os que conseguira­m imprimir edições em outros países não puderam distribuí-los.

Para Marin, os episódios recentes na Belarus não devem ser vistos como “assuntos internos”, mas como um “problema internacio­nal”.

“Quando um governo anuncia que está pronto para usar o Exército contra seus próprios cidadãos em tempos de paz, quando está preparado para sacrificar a soberania do país e a independên­cia de suas instituiçõ­es para permanecer no poder a todo custo, são a paz e a segurança internacio­nais que estão ameaçadas.”

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Tut.By/Reuters Nadezhda Kalinina (centro) e Alexei Sudnikov, repórteres do veículo bielorruss­o Tut.By presos durante a cobertura dos protestos, são recebidos por colegas após serem liberados
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