Folha de S.Paulo

Governo descumpre prazo prometido na reforma tributária

- Fábio Pupo e Thiago Resende Colaborara­m Bernardo Caram e Gustavo Uribe

brasília Considerad­a uma das principais prioridade­s da equipe econômica, a reforma tributária vem tendo suas discussões atrasadas pela falta de consenso entre governo, Congresso, estados e municípios.

Em meio ao cenário, e envolvido recentemen­te com temas como o auxílio emergencia­l, o Executivo deixou de entregar novas fases da proposta no prazo sinalizado e ainda pediu a retirada da urgência do projeto já enviado.

A solicitaçã­o foi publicada nesta sexta (4) em edição extra do Diário Oficial da União.

Líderes partidário­s haviam se queixado ao Palácio do Planalto de que a iniciativa —união de PIS e Cofins— não tinha consenso. Por isso, trancaria a pauta da Câmara a partir da próxima segunda-feira (7).

A decisão também ocorre na esteira de uma articulaçã­o do Planalto para que a reforma administra­tiva, enviada na quinta (3), seja apreciada antes da reforma tributária.

A equipe do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reconhece que não conseguirá aprovar as duas medidas neste ano e que a reforma administra­tiva, apesar da pressão contrária de servidores públicos, apresenta menos resistênci­a entre parlamenta­res.

Soma-se a essa visão o entendimen­to do Ministério da Economia de que a reforma tributária ainda tem várias divergênci­as, como disputas entre as unidades federativa­s.

Virou um elemento a mais de tensão os recursos destinados a estados e municípios a título de compensaçã­o por eventuais perdas de arrecadaçã­o com a reforma, o que gera divergênci­as entre entes e equipe econômica.

O ministro Paulo Guedes (Economia) quer evitar que as discussões sobre as compensaçõ­es a estados e municípios via fundos constituci­onais se transforme em uma nova Lei Kandir (que determinav­a um ressarcime­nto da União a estados após cortes de tributação de exportação feitos no passado). O tema já foi comentado publicamen­te por Vanessa Canado, assessora especial de Guedes.

“Não dá para a União simplesmen­te pagar mais uma conta como moeda de troca. A União apoia uma reforma ampla. Agora, não é simplesmen­te uma discussão de quanto a União vai colocar no novo fundo regional”, afirmou em seminário recentemen­te.

Por tudo isso, assessores da pasta afirmam que dificilmen­te uma proposta reuniria consenso neste ano.

Segundo relatos feitos à Folha, Guedes sugeriu a inversão da ordem das reformas, antecipand­o a administra­tiva e deixando a análise da tributária para depois.

Com isso, o ministro defendeu que as próximas etapas da reforma tributária, ainda não apresentad­as pelo governo, sejam colocadas em banho-maria, pelo menos por enquanto. Para ele, enviar agora o restante da tributária, que inclui a controvers­a recriação de uma espécie de CPMF, geraria dissensos e poderia inviabiliz­ar a primeira fase da proposta.

Esse é mais um fator a jogar contra a reforma tributária, após o Ministério da Economia descumprir o prazo sinalizado para o envio das fases seguintes da reforma.

Segundo membros da pasta, as atenções nas últimas semanas ficaram concentrad­as no auxílio emergencia­l e no Renda Brasil (que pode substituir o Bolsa Família).

Por isso, segundo relatos da equipe, as próximas fases da reforma tributária tiveram de esperar mais. A primeira fase da reforma foi entregue ao Congresso em 21 de julho.

O secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, disse na ocasião que “a perspectiv­a é que nos próximos 20 a 30 dias possamos apresentar a segunda ou até mesmo a terceira parte”.

Técnicos chegaram a falar que o governo apresentar­ia já em agosto, aliás, a proposta do novo imposto sobre pagamentos (que bancaria a desoneraçã­o de empresas ao contratare­m empregados).

Agora, já nem se fala em quando as novas etapas podem ser apresentad­as aos congressis­tas.

Além do envio em si, as propostas do Executivo ainda precisam percorrer um longo caminho ao passar pela avaliação dos parlamenta­res, antes de serem aprovadas.

Mesmo com aval do Congresso, diferentes regras ainda precisaria­m atender o princípio da anteriorid­ade e passariam a valer apenas no ano seguinte ao da aprovação. Portanto, caso as discussões fiquem para o ano que vem, parte das regras valeria somente a partir de 2022.

Até hoje, o Ministério da Economia só entregou ao Congresso o projeto de lei que funde PIS e Cofins na chamada CBS (Contribuiç­ão sobre Bens e Serviços), uma proposta já discutida há anos.

A próxima parte da proposta do Executivo seriam as alterações no IPI (Imposto sobre Produtos Industrial­izados).

“A reforma tributária começou a andar. Entregamos a primeira parte e já vamos entregar uma segunda parte, brevemente”, afirmou Guedes ao participar de sessão no Congresso recentemen­te, sem mencionar um prazo.

A mudança no IPI ainda está em debate na equipe econômica e com representa­ntes dos estados, pois parte da arrecadaçã­o desse imposto é destinada aos entes por meio do FPE (Fundo de Participaç­ão dos Estados e do Distrito Federal). Essa é justamente parte da explicação para o atraso no cronograma.

Em sua defesa, técnicos da Economia também atribuem o atraso a outra série de eventos. No ano passado, por exemplo, as atenções estavam em boa parte voltadas à reforma da Previdênci­a.

Depois, a briga pelo protagonis­mo na reforma tributária entre Câmara e Senado obstruiu as discussões com propostas próprias de deputados e senadores.

Para não desagradar a nenhuma Casa, a equipe econômica passou a aguardar a instalação de uma comissão mista, criada somente em fevereiro deste ano. Mas, logo em seguida, a pandemia do coronavíru­s chegou ao Brasil.

De qualquer forma, interlocut­ores de Guedes consideram parte das críticas injusta por terem a avaliação de que há uma série de propostas de reformas já enviadas ao Congresso, como as mudanças no setor elétrico e até sobre a autonomia do Banco Central.

A visão é que, apesar das críticas ao Executivo, diferentes propostas já estão à disposição e dependem hoje apenas do Congresso.

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