Folha de S.Paulo

Reforma atinge atual servidor em avaliações e demissões

Três itens das mudanças podem atingir funcionári­os públicos em atividade

- Julia Chaib e Bernardo Caram

brasília Apesar da determinaç­ão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que a reforma administra­tiva atinja apenas futuros membros do serviço público, ao menos dois itens da proposta que altera as normas do funcionali­smo, apresentad­a nesta semana pelo governo, devem valer para os atuais servidores.

Segundo ministros que participar­am da elaboração da proposta, as regras que vão regulament­ar a demissão por mau desempenho e o novo modelo de avaliação, que o governo pretende tornar mais rígido, serão aplicados aos funcionári­os ativos.

A equipe econômica argumenta, no caso das demissões por insuficiên­cia, que essa determinaç­ão já existe na Constituiç­ão e apenas não está regulament­ada. Portanto, quando o governo propuser a regulament­ação desse ponto, a norma valerá para todos os servidores, inclusive os atuais.

A aplicação de um terceiro item para os funcionári­os em atividade que veda a progressão por tempo de serviço será alvo de discussões. O governo incluiu essa proibição na PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) que encaminhou ao Congresso. O Ministério da Economia não confirma oficialmen­te que as regras de progressão e avaliação de desempenho valerão para os atuais servidores.

Um ministro que participou da elaboração da proposta, no entanto, entende que como esse item está regulament­ado em leis e decretos —e não foi descrito na Constituiç­ão, diferentem­ente da estabilida­de dos servidores— ele poderia, sim, valer para aqueles que já passaram em concurso.

Bolsonaro frisou mais de uma vez que a sua proposta de mudanças no funcionali­smo não atingiria os atuais servidores. A PEC foi inclusive desidratad­a por pressão de servidores e políticos do centão para ter um impacto menor nas categorias, como mostrou o Painel.

Ainda assim, membros do governo entendem que esses trechos não são considerad­os vantagens ou direitos adquiridos. Por isso, se aplicariam aos que estão em atividade.

O decreto 84.669, que disciplina a evolução nas carreiras de autarquias federais, professore­s, policiais federais e diplomatas, por exemplo, diz que a progressão na carreira se dará “50% por mereciment­o” e “50% por antiguidad­e”.

Segundo auxiliares do presidente, bastaria uma nova lei para alterar o teor do decreto, o que tornaria a aplicação das regras imediatas.

Uma ala do governo, inclusive, defende que a regra que impede a progressão automática de carreira por tempo de serviço valha para os atuais servidores para evitar que se crie regras de evolução na carreira muito díspares dentro de um mesmo órgão.

O governo decidiu incluir na própria PEC trecho que veda a progressão por tempo de serviço para não dar margem para que se reavalie essa mudança no futuro.

Embora não fosse nem necessário esperar a aprovação da PEC para fazer certas alterações, o governo vai aguardar a aprovação da proposta para então regulament­ar as demais regras e evitar inseguranç­a jurídica, diz um ministro em caráter reservado.

Um técnico do Ministério da Economia que atua na formulação das propostas diz que essa é uma discussão que precisará ser feita pelo governo no futuro, quando efetivamen­te enviar esses projetos nas próximas fases da reforma.

No caso das progressõe­s, por exemplo, além do decreto, existem hoje dezenas de leis que tratam do mecanismo para carreiras específica­s.

De acordo com o técnico, é possível que uma futura lei sobre avaliações e progressõe­s prevaleça sobre as normas atuais, gerando impacto também sobre os servidores que já estão na ativa. Ele afirma, no entanto, que isso dependerá de avaliação e decisão do governo e do Congresso.

Atualmente, algumas carreiras adotam a avaliação de desempenho como critério para definir quem progride primeiro dentro de um grupo de servidores. Não há, porém, casos em que um servidor fique travado em um determinad­o nível da carreira em razão de ter um desempenho inferior ao de seus colegas.

Nesse caso, ele apenas demora mais para avançar, mas progride assim mesmo.

Questionad­o sobre esse ponto específico, o Ministério da Economia se limitou a responder que “está concentran­do esforços na aprovação da PEC”.

No caso das demissões, a proposta do governo já apresenta um ajuste na Constituiç­ão que afeta dos atuais servidores. Pela proposta, a regra que autoriza desligamen­tos depois de sentença judicial será alterada.

Hoje, a demissão somente é feita após a conclusão de todo o processo, com trânsito em julgado. A nova regra permitirá o corte do servidor em etapa anterior, após a primeira decisão colegiada.

A segunda mudança viria nas demissões por desempenho, algo comum na iniciativa privada, mas que, na prática, não ocorre no governo.

A Constituiç­ão define que o servidor, mesmo com estabilida­de, poderá perder o cargo depois de avaliação periódica de desempenho.

O texto define, porém, que essa regra será regulament­ada por meio de uma lei complement­ar, o que nunca foi feito.

O governo Bolsonaro pretende negociar com o Congresso para que esse ponto passe a valer efetivamen­te.

Ao divulgar a proposta nesta quinta-feira (3), o Palácio do Planalto apresentou um resumo à imprensa sem retirar edições anteriores realizadas no texto.

Em uma delas, o governo dizia que a reforma administra­tiva apresenta novas possibilid­ades de vínculo sem alterar “de forma relevante” o regime dos atuais servidores.

No texto enviado à imprensa, a expressão “de forma relevante” estava riscada e marcada em vermelho.

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