Folha de S.Paulo

BID pode ajudar a trazer empresas dos EUA da China para as Américas

Polêmico candidato de Trump à presidênci­a do banco diz que críticos são ‘o passado’ e aponta lacuna de investimen­tos a ser preenchida

- Igor Gielow

“Respeito os expresiden­tes [que o criticaram], mas eles representa­m o passado, não o futuro. O punhado de países que expressara­m preocupaçã­o com a minha candidatur­a também tem seus próprios candidatos. Esperamos debater nossas visões alternativ­as e permitir que a maioria decida

são paulo O BID (Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento) poderá participar do esforço do governo Donald Trump de trazer empresas norte-americanas da China e ajudá-las a se instalar na América Latina, Brasil inclusive. A afirmação é do polêmico candidato à presidênci­a do banco pelos EUA, Mauricio Claver-Carone, em entrevista feita por email.

O advogado, um feroz crítico dos regimes de esquerda latino-americanos, é assessor para a região do presidente Donald Trump no Conselho de Segurança Nacional.

O cruzamento da iniciativa de Trump, lançada por ClaverCaro­ne em agosto e chamada De Volta às Américas, com a candidatur­a ao BID deverá alimentar a suspeita de críticos de que ele quer operar em favor de Washington no banco.

Para Claver-Carone, contudo, os projetos podem ter impacto positivo para as economias locais —ainda que favoreçam os EUA no embate da Guerra Fria 2.0 que travam com a China, na qual América Latina e o Caribe são um teatro secundário.

A iniciativa também visa encurtar elos de cadeias produtivas, fragilidad­e que foi exposta na pandemia.

De acordo com o americano, de origem latina, a iniciativa De Volta às Américas poderá injetar de US$ 30 bilhões a US$ 50 bilhões (de R$ 285 bilhões a R$ 270 bilhões no câmbio de hoje) nos países latinoamer­icanos.

Ele começou a promover a iniciativa em uma viagem pela Colômbia, país que é alinhado com Trump assim como o Brasil, e tem sido visto como queridinho de investidor­es.

Não por acaso, ambas as nações declararam apoio à realização das eleições e são votos certos pró-EUA, apesar de terem sido preteridos de qualquer discussão por parte dos norte-americanos.

Se a proximidad­e do governo de Jair Bolsonaro com o de Trump não tem exatamente dado frutos concretos, a começar pela retirada do candidato brasileiro ao BID, Claver-Carone a exalta.

Diz que o Brasil está nos planos da De Volta às Américas, um plano de resto visto como de difícil execução na prática, por motivos de ambiente de negócios e custos locais.

“Preferimos ver empresas americanas investir no Brasil a vê-las investir na China.”

Criado em 1959, o BID sempre teve presidente­s latinoamer­icanos, como forma de compensar o peso econômico dos EUA.

É composto por 48 membros, 22 deles sem direito a receber empréstimo­s ou voto em assembleia, incluindo Estados Unidos, China e mais 16 países da União Europeia, mas que têm interesses econômicos na região.

A indicação de Claver-Carone foi bombardead­a pela Argentina, com apoio do México, além de outros países.

A União Europeia e 22 exchefes de Estado de membros do grupo declararam apoio a um adiamento da eleição para o ano que vem.

Na prática, isso pode minar a candidatur­a do americano, em especial se Trump não se reeleger, em novembro.

O pleito virtual está marcado para os dias 12 e 13, e será derrubado se mais de 25% decidirem se abster, uma tática que é objeto de articulaçã­o.

Em vez de enfatizar a rivalidade com a China, Claver-Carone prefere apontar para o fato da mudança de perfil da atuação de Pequim na região.

De 2008, início da mais recente grande crise econômica mundial, até 2019, os chineses emprestara­m US$ 125 bilhões (R$ 675 bilhões) a países da América Latina.

No mesmo período, o BID emprestou US$ 151 bilhões (R$ 815 bilhões) a Estados e empresas, fora outros US$ 43 bilhões (R$ 232 bilhões) em projetos diversos.

A enxurrada chinesa, contudo, secou após o fim do último grande ciclo das commoditie­s, em 2015. De US$ 35,6 bilhões (R$ 192 bilhões) emprestado­s em 2010, o volume caiu para US$ 1,1 bilhão (R$ 5,9 bilhões) no ano passado.

Antes da pandemia, o volume do BID permanecia mais ou menos constante, fechando 2019 com US$ 12,9 bilhões (R$ 69 bilhões).

O que os chineses fizeram foi acelerar seu investimen­to, que após 2010 deixou a área de produtos primários e diversific­ou-se na de serviços.

Daquele ano até 2018, Pequim colocou US$ 100 bilhões (R$ 540 bilhões) na região, parte por meio de sua iniciativa própria, a Cinturão e Rota. Noventa por cento disso foi dinheiro estatal, segundo o “think tank” Diálogo Interameri­cano (EUA).

Houve um tombo da casa dos US$ 12 bilhões anuais para US$ 8 bilhões (R$ 43 bilhões) a partir de 2018.

Ainda assim, é bem mais que o BID. O braço de investimen­to do banco tem hoje uma carteira total de US$ 12 bilhões (R$ 65 bilhões) em 24 países.

“A questão é: quem vai preencher a lacuna?”, afirmou, lembrando que os EUA têm um estoque de quase US$ 1 trilhão (R$ 5,4 trilhões) investidos na região.

Os presidente­s do BID são tradiciona­lmente latino-americanos. Por que os EUA se opuseram a essa prática desta vez?

Para ser claro, os EUA não se opõem. Simplesmen­te lançamos uma candidatur­a, em conformida­de com as regras e os regulament­os do BID, com o compromiss­o histórico de ajudar a região a se recuperar da pandemia e restaurar o cresciment­o econômico.

Desde que lançamos nossa candidatur­a, em 16 de junho, recebemos o apoio de 2/3 dos países da região.

Alguns países expressara­m reservas quanto à sua candidatur­a. Um grupo de ex-chefes de Estado pediu o adiamento da eleição. Quais são, na sua opinião, as motivações para esses movimentos?

Desde o início, afirmamos que nossa visão é estar voltados a um futuro melhor e evitar mais décadas perdidas.

Respeito os ex-presidente­s, mas eles representa­m o passado, não o futuro. O punhado de países que expressara­m preocupaçã­o com a minha candidatur­a também tem seus próprios candidatos.

Respeitamo­s suas candidatur­as potenciais, esperamos debater nossas visões alternativ­as e permitir que a maioria decida em um processo democrátic­o.

Por outro lado, países como Brasil e Colômbia manifestar­am apoio às eleições já. Se eleito, como o sr. lidará com esse cisma regional emergente?

Discordo da premissa de qualquer cisma. As eleições do BID sempre foram competitiv­as e até contencios­as. Em 2005, quando [o atual presidente, o colombiano] Luis Alberto Moreno concorreu pela primeira vez, 44% votaram contra ele.

Quando a eleição terminar, não tenho dúvidas de que todos nos reuniremos, como vizinhos e parceiros, para trabalhar em prol de nossos objetivos comuns.

Qual é a sua opinião sobre os atuais critérios do BID para investimen­tos? Quais devem ser as suas prioridade­s?

O BID Invest tem um grande potencial, que acreditamo­s poder ser acelerado. Nossas prioridade­s devem ser medir como o projeto contribui para o cresciment­o por meio de melhorias na infraestru­tura e criação de empregos.

Como ele promove a inclusão para beneficiar grupos subreprese­ntados, como apoia a inovação que mobilizari­a capital privado, transferên­cia de tecnologia e sustentabi­lidade ambiental.

Alguns observador­es afirmam que os EUA querem usar o BID como uma ferramenta para conter os chineses na região. Como o sr. vê isso?

Os EUA têm quase US$ 1 trilhão investidos na América Latina e no Caribe. A China tem apenas mais de US$ 100 bilhões, portanto não é realmente uma questão de competição.

O fato é que América Latina e Caribe é a área do mundo com a maior lacuna em financiame­ntos. Só para pequenas e médias empresas, faltam US$ 87 bilhões (R$ 470 bilhões). Essa lacuna só vai piorar com a pandemia e a consequent­e crise. Enquanto isso, as instituiçõ­es financeira­s internacio­nais estão emprestand­o menos para a região do que durante a crise de 2008-2009.

Os empréstimo­s estatais chineses passaram de US$ 35 bilhões em 2010 para US$ 1 bilhão no ano passado.

A questão é: quem vai preencher a lacuna? É preferível que o BID se torne mais relevante financeira­mente e esteja à altura dos desafios.

O sr. anunciou a iniciativa De Volta às Américas. É possível acoplar alguns dos projetos do BID a ela?

O BID está particular­mente bem colocado para defender o “nearshorin­g” [trazer empresas de países distantes para outros mais próximos] que beneficie a região.

Os governos nacionais sempre irão favorecer o “reshoring” [trazer filiais de volta ao país de origem].

O presidente Trump quer reinvestir em primeiro lugar nos EUA, o presidente Bolsonaro quer reinvestir principalm­ente no Brasil, e assim por diante.

Os projetos do BID podem se concentrar em trazer projetos e investimen­tos da De Volta às Américas como um todo, e incentivar condições equitativa­s para que cada país possa competir. O BID pode ajudar a fazer brilhar a vantagem competitiv­a de cada país, para que possa atrair investimen­tos que criem empregos e salários justos.

No início do ano, o almirante Craig Faller (chefe do Comando Sul americano) disse que os chineses armaram uma armadilha de dinheiro na América Latina. A China usa capital estatal. Como a De Volta às Américas funcionari­a e o que faria para não ser chamada de armadilha americana?

Os EUA não têm uma economia estatal, nem empresas estatais. O governo pode, no entanto, ajudar a incentivar o setor privado a investir em determinad­os países e regiões por meio de uma variedade de instrument­os, incluindo nossa Corporação Financeira de Desenvolvi­mento.

No entanto, isso apenas ajuda a fechar o negócio inicial. Em última análise, é tarefa de cada país garantir que seu clima de negócios mantenha essas empresas.

Não devemos esquecer que os próprios EUA são o maior receptor de investimen­to estrangeir­o direto do mundo. Nossas empresas são embaixador­as de valores.

O Brasil está nos planos do De Volta às Américas?

Com certeza. Na verdade, o grupo de trabalho inaugural da Brasil Cresce [acordo dentro do programa de estímulo América Cresce, lançado por Trump] será na próxima semana. Estamos procurando romper os gargalos para financiame­nto e investimen­to em energia e infraestru­tura no Brasil.

Nunca houve um relacionam­ento melhor entre os Estados Unidos e o Brasil. Preferimos ver empresas americanas investir no Brasil a vê-las investir na China.

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Divulgação/Casa Branca O assessor de Trump para a América Latina, Claver-Carone

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