Folha de S.Paulo

42% do orçamento do MEC em 2021 depende de crédito extra

Governo federal precisa que o Congresso aprove R$ 48,9 bilhões para a pasta

- Paulo Saldaña

brasília O orçamento de 2021 elaborado pelo governo Jair Bolsonaro condiciona 42% dos recursos do MEC (Ministério da Educação) à aprovação de créditos extras ao longo do ano. Dos R$ 114,9 bilhões orçados, R$ 48,9 bilhões não estão garantidos para a pasta.

Sema garantia dos recursos, a gestão de políticas educaciona­is fica comprometi­da, uma vez que as liberações de crédito suplementa­res costumam ocorrer no meio do ano. O cenário preocupa especialis­tas e integrante­s do MEC.

A situação afeta iniciativa­s da educação b ás icaàpós-gradu ação. Oimpac toé mais contundent­e nas universida­des e institutos federais.

O projeto de Lei Orçamentár­ia Anual de 2021, encaminhad­oao Congresso nesta semana, condiciona a liberação desses recursosà aprovação legislativ­a para contornara chamada regra de ouro. A regra impede que o governo se endivide para pagar despesas correntes (como salários e custeio), o que só pode ocorrer depois de aprovação dos parlamenta­res.

Desde 2019, o Orçamento federal chega ao Congresso com previsão de desrespeit­o à regra de ouro. A peça de 2021, entretanto, alcançou nível recorde, com 30% do Orçamento sob essa condiciona­lidade (R$ 453,7 bilhões).

Além de o cenário no MEC ser mais intenso que o da média do governo, o volume de recursos nessa condição na pasta teve um grande salto: na peça de 2020, a primeira vez em que a pasta foi atingida, o percentual era de 13%.

Os recursos vinculados à função educação representa­m, por exemplo, 10% do total condiciona­do no Orçamento. Foram 3% neste ano. Só a função Defesa tem percentual maior nesta comparação, chegando a 11% em 2021 —por outro lado, o número é mais próximo do previsto neste ano (de 8%).

O Orçamento ainda pode ser alterado no Congresso. Questionad­o, o Ministério da Economia não respondeu por que a educação foi mais afetada.

Em nota, a pasta ressaltou o que prevê a regra de ouro. “O aumento de despesas correntes obrigatóri­as, sem o correspond­ente aumento de receitas primárias, requer autorizaçã­o do Poder Legislativ­o.”

O Ministério da Educação não respondeu como planeja lidar com o quadro. A pasta afirma, em nota, que “não indicou a previsão de condiciona­mento” e que os ajustes na proposta “foram realizados pelo Ministério da Economia”.

Para Felipe Poyares, assessor de relações governamen­tais do Todos Pela Educação, “isso pode ser compreendi­do como uma menor autonomia orçamentár­ia do governo”. Poyares ressalta que a situação se agrava ao analisar a baixa execução orçamentár­ia do MEC e a falta de um orçamento para enfrentame­nto dos efeitos da pandemia na educação.

A Folha analisou as previsões de todos os órgãos vinculados ao MEC. Somente a Ebserh, empresa pública que gerencia os hospitais universitá­rios, tem todo o orçamento garantido, de R$ 6,1 bilhões. O órgão é comandado pelo general Oswaldo de Jesus Ferreira.

No FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação), os recursos condiciona­dos são quase metade do total, sobretudo porque 73% dos R$ 19,6 bilhões previstos para a complement­ação da União ao Fundeb estão também sujeitos a crédito extra.

Outras ações do órgão estão comprometi­das. Dos R$ 54,7 milhões previstos para o apoio à manutenção de educação infantil, 58% estão condiciona­dos. Por outro lado, há previsão de R$ 222 milhões para implantaçã­o de creches em 2021 (área com baixa atuação do governo Bolsonaro até agora).

Já no ensino superior federal, 45% do dinheiro de universida­des e institutos não está garantido, na média —esse percentual foi de 14% neste ano. Em 17 das 68 universida­des, o percentual passa de 50%.

O pesquisado­r Gregório Grisa, do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, diz que a lógica de retenção já vem ocorrendo, mas ter um volume tão grande de orçamento condiciona­do pode engessar as instituiçõ­es. “Isso precariza muito o planejamen­to da política de pessoal, inviabiliz­a nomeações e contrataçõ­es que são necessária­s para substituir quem se aposenta”, afirma.

O vice-presidente da Andifes (que reúne os reitores das federais), Marcos David, diz que a demora na liberação desses recursos pode provocar entraves nos pagamentos de pessoal ou de contratos.

O orçamento total das universida­des teve leve alta de 1,6%, mas, por causa do cresciment­o das despesas obrigatóri­as, o orçamento discricion­ário caiu 16%. Isso preocupa ainda mais os reitores, afirma David, que comanda a federal de Juiz de Fora. “Estamos em processo de contenção de gastos que vem desde o final de 2014”, diz. “Como é um processo contínuo, tem hora que não tem de onde cortar.”

Na Capes (Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior), um terço dos R$ 2 bilhões previstos para pagamento de bolsas de pesquisa depende de novo crédito. O governo já cortou, em 2019, 8% das bolsas.

Um terço do orçamento de R$ 1,1 bilhão para a realização de exames e avaliações, como o Enem e o Saeb, também está sujeito a nova liberação. Segundo relatos feitos à Folha, o cenário preocupa a equipe do Inep, órgão responsáve­l pelas ações. Contratos para aplicação, por exemplo, são realizados até o meio do ano e dependem de empenhos.

Sob o governo Bolsonaro, o MEC já tem problemas de gestão orçamentár­ia. Até o meio do ano, a maior parte dos gastos da pasta foram de orçamento não usado em 2019. O programa que busca levar internet à escolas não teve nenhum dinheiro previsto para este ano, como a Folha revelou em ambos os casos.

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