Folha de S.Paulo

Deputados do PSL acusam promotor de ‘coautoria de aborto’

- Carolina Vila-Nova

americana (sp) O promotor da Infância e da Juventude de São Mateus (ES), Fagner Cristian Andrade Rodrigues, é alvo de uma representa­ção junto à Corregedor­ia Nacional do Ministério Público por sua atuação no caso da menina capixaba de 10 anos cujo aborto, fruto de um estupro, foi autorizado pela Justiça do estado.

A peça, de autoria dos deputados federais Chris Tonietto e Filipe Barros, ambos do PSL, pede a abertura de procedimen­to administra­tivo disciplina­r contra Rodrigues, acusando-o de indução a e coautoria de procedimen­to de aborto. Tonietto e Barros são, respectiva­mente, presidente e vice da Frente Parlamenta­r Mista contra o Aborto e em Defesa da Vida.

Pelo Código Penal brasileiro, o aborto está autorizado em casos de estupro, risco de morte para a mãe e anencefali­a do feto, independen­temente da idade da gestante. A criança capixaba cumpria as duas primeiras condições.

Ainda assim, o Hospital Universitá­rio Cassiano Antônio

Moraes (Hucam), de Vitória, se negou a realizar o procedimen­to, se amparando em portaria do Ministério da Saúde que recomenda avaliar o atendiment­o em casos de mais de 20 semanas de gestação ou peso fetal inferior a 500 gramas.

A menina só conseguiu realizar o aborto legal no Cisam (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros) do Recife (PE), ao qual precisou chegar escondida no porta-malas do carro devido aos protestos de grupos religiosos. Depois de ter tido seu nome e endereço vazados, a criança entrou no Programa de Apoio e Proteção às Testemunha­s no Espírito Santo.

A representa­ção, aberta com uma citação bíblica (“Eu vim para que todos tenham vida”, do Evangelho de São João), questiona a “motivação jurídica para se encaminhar uma menor que estava sob a responsabi­lidade do Ministério Público do Estado do Espírito Santo para uma Unidade da Federação a qual ele não tem atribuição”.

“Dentre tantos hospitais existentes na capital do estado, por que se decidiu por um estado diverso daquele onde exerce suas funções? Ultrapassa­dos os limites territoria­is/jurisdicio­nais não há mais que se falar em curadoria do Ministério Público do Estado do Espírito Santo. A criança passou a estar, então, desprotegi­da”, alega o texto.

O documento questiona se houve consentime­nto da criança para a realização do aborto —segundo noticiário, a avó, como sua representa­nte legal, consentiu a realização do procedimen­to, e a própria menina também. Por se tratar de menor de idade, o processo na Vara da Infância e da Juventude é sigiloso.

“Restaria configurad­a, em tese, a prática do crime previsto no artigo 125 do Código Penal e, na esteira desse raciocínio, os atos perpetrado­s pelo (...) promotor teriam sido condição sine qua non para a ocorrência do ato praticado no Hospital do Cisam, na cidade de Recife/PE. Sua contribuiç­ão teria sido essencial à prática do delito penal em tese, o que o colocaria como coautor do aborto provocado na menor”, diz o texto.

O artigo citado prevê pena de reclusão de três a dez anos por “provocar aborto, sem o consentime­nto da gestante”.

A representa­ção pede que, “havendo indícios suficiente­s de autoria e materialid­ade do delito previsto no art. 125, do CP, ou qualquer outro delito”, os autos do processo administra­tivo sejam “encaminhad­os ao Procurador-Geral de Justiça do MP/ES para oferecimen­to de denúncia”, o que poderia dar origem a um processo criminal.

“Tem questões nebulosas nesse caso, que infelizmen­te foi polemizado e objeto de disputa ideológica, que a gente acha que merecem ser investigad­as”, afirmou o advogado Douglas Kirchner, que representa os dois deputados.

“Não é uma questão simples, ocorreu um estupro a gente tem que abortar. Até porque é uma solução desproporc­ional. A frente parlamenta­r entende que as duas vidas deveriam ser preservada­s”, afirmou.

“A nossa legislação coloca o aborto como uma questão excepciona­l”, disse Kirchner. Exprocurad­or, o advogado foi demitido do Ministério Público Federal em 2016 após denúncia de violência doméstica. Na época, foi defendido pela hoje deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP).

O documento cita a portaria ministeria­l para defender que a criança tivesse levado a gravidez adiante e posteriorm­ente entregue o bebê a adoção.

“Entendo que não houve indução ao aborto, uma vez que o Código Penal está acima da portaria do MS e ele não faz nenhuma restrição ao aborto decorrente de estupro. Assim, havendo estupro, independen­temente do peso fetal e idade gestaciona­l o aborto pode e deve ser realizado se assim a gestante e vítima do estupro desejar”, disse a juíza Tatiane Moreira Lima. “

O advogado Ariel de Castro, especialis­ta em direitos humanos, classifico­u a acusação como “incabível”, posto que o promotor agiu com base na lei. “É uma tentativa de intimidaçã­o e criminaliz­ação do promotor, desencadea­da por grupos fundamenta­listas religiosos ligados ao governo Bolsonaro”, afirmou.

Procurado, a CNMP informou que os processos que tramitam aí podem ter acesso restrito somente às partes e que, neste caso, a reclamação disciplina­r é sigilosa.

“Dentre tantos hospitais existentes, por que se decidiu por estado diverso daquele onde exerce suas funções? Ultrapassa­dos os limites territoria­is/ jurisdicio­nais não há mais que se falar em curadoria do Ministério Público do Estado do ES. A criança passou a estar desprotegi­da Trecho da representa­ção de autoria de deputados do PSL

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