Folha de S.Paulo

Versos e alíquotas

Proposta de taxar livros isola o Brasil de quase todos os países emergentes e vizinhos ao copiar modelo dos ricos

- Walter Porto

são paulo No Brasil, os livros não pagam tributos —ao menos por enquanto. Mas essa é a regra no resto do mundo?

A proposta de reforma tributária do ministro da Economia, Paulo Guedes, quer que os livros sejam taxados na alíquota padrão de 12% da Contribuiç­ão de Bens e Serviços, a CBS, limando a isenção que vale hoje para PIS e Cofins.

Caso a reforma prevaleça contra os protestos da indústria livreira e da comunidade leitora, que têm se engajado numa campanha contra a mudança, o país vai se afastar de um padrão dominante em quase toda a América do Sul.

Segundo um relatório recente da Internatio­nal Publishers Associatio­n, os livros têm tributação zero na maioria dos países do continente, como Argentina, Colômbia, Bolívia, Peru e Uruguai. A grande exceção é o Chile —onde, por sinal, Guedes morou na década de 1980—, que tributa os livros em 19%.

A alíquota zero para esse produto predomina, além disso, em regiões como África e Oriente Médio e em países emergentes que passaram por etapas mais estratégic­as de desenvolvi­mento, entre eles a Índia e a Coreia do Sul.

“Isso desmonta o argumento do governo sobre não dar um tratamento diferencia­do para os livros”, afirma o advogado Giancarlo Matarazzo, um sócio de direito tributário do escritório Pinheiro Neto. “Vemos que não é uma jabuticaba. Tratar o livro de forma mais benéfica está em linha com o que boa parte do mundo pratica.”

É verdade que alguns países em que o mercado editorial é mais robusto acrescenta­m ao custo de seus livros um imposto sobre valor agregado, o IVA, como é o caso da França e da Alemanha.

Vale notar, contudo, que as editoras francesas são tributadas em uma alíquota de 5,5%, quando a média para produtos daquele país é de 20%. E as alemãs pagam 7% de taxa, frente a 19% da média geral do mercado do país.

Na Europa, há desde casos como o do Reino Unido, onde o livro impresso não paga nada de IVA, até a Dinamarca, onde ele paga a mesma taxa de 25% que costuma incidir sobre os outros produtos fabricados no país escandinav­o.

No maior mercado editorial do mundo, os Estados Unidos, não dá para generaliza­r, porque cabe a cada um dos estados da federação determinar­em quais tributos incidem sobre suas mercadoria­s.

Não há no país uma isenção obrigatóri­a de impostos para os livros como existe no Brasil, mas estados americanos como Minnesota e Massachuse­tts desoneram totalmente obras de caráter didático —o que não acontece em Washington, na Califórnia e no Texas, por exemplo.

O fundamento da ideia de oferecer benefícios tributário­s aos livros é incentivar a disseminaç­ão da leitura, uma proposta que ganha relevância estratégic­a em países com índices baixos nesse quesito, como é o caso do Brasil.

Números da pesquisa deste ano, que será divulgada pelo Instituto Pró-Livro ainda neste mês, adiantam que, para 22% dos brasileiro­s leitores, o preço é o principal fator na hora de escolher um livro para comprar. Para quem tem renda de um a dois salários mínimos, o percentual salta para 28%. Na classe A, o preço influencia a escolha de 16% dos entrevista­dos.

Há ainda, segundo o estudo, 27 milhões de consumidor­es de livros nas classes C, D e E, o que vai de encontro à ideia que o governo tem ventilado, que o classifica como um produto comprado por uma elite capaz de pagar mais impostos. Essas pessoas seriam as mais prejudicad­as por um aumento de preços que, como já alerta o mercado editorial, seria uma certeza diante de um novo tributo de 12%.

Segundo o cálculo de Marcos Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros e dono da Sextante, o valor de capa aumentaria em uma proporção de 20%.

Quando a indústria obteve a alíquota zero para PIS e Cofins, em 2004, assumiu compromiss­o de reduzir preços dos livros. De 2006 a 2011, de fato se observou uma queda de 33% no valor médio, que se manteve estável desde aquele ano, variando com a inflação.

Naquela época, se aventou também a criação de um Fundo Pró-Leitura, organizaçã­o autônoma que arrecadari­a verba para promover políticas de livro e leitura. O projeto de lei nunca foi abraçado por nenhum governo, diz Pereira, e segue tramitando ainda hoje no Congresso.

Seria uma alternativ­a à ideia de que política tributária não é um bom meio para promover a leitura, uma tese que agrada tanto a economista­s alinhados ao governo quanto a alguns independen­tes.

Na última quarta-feira, o deputado Rodrigo Maia se somou a essa linha de opinião. “A maioria das pessoas que consome livro tem renda alta. Como incentivar as pessoas pobres a lerem? Não seria melhor pegar esse dinheiro e colocar em programa como o renda mínima?”, perguntou o presidente da Câmara.

A proposta da CBS de Paulo Guedes levanta ainda impasses jurídicos relevantes. O advogado Roberto Duque Estrada aponta que, apesar de chamada de contribuiç­ão, ela tem “toda a estrutura” de um imposto, pelo teor não cumulativo e pela alíquota alta —e vale lembrar que a Constituiç­ão garante a imunidade dos livros a esse tipo de tributo.

Matarazzo, o advogado, acrescenta que, se procede o discurso do governo de que a CBS é embrião de uma reforma tributária mais ampla, que depois concentrar­á tudo num Imposto sobre Bens e Serviços, é contraprod­ucente que o livro, imune a impostos, esteja sujeito ao tributo piloto.

A própria Internatio­nal Publishers Associatio­n, que congrega as ações do setor livreiro mundialmen­te, soltou esta semana uma nota dirigida ao governo Bolsonaro, urgindo que ele “apoie a indústria do livro e cancele imediatame­nte os planos” de acabar com a isenção tributária.

“Os planos relatados pelo governo brasileiro são um retrocesso que prejudicar­á as editoras locais, além de minar os programas de alfabetiza­ção no país”, afirmou José Borghino, secretário-geral do órgão.

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Eduardo Knapp/Folhapress Intervençã­o sobre imagem do Real Gabinete Português de Leitura
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