Folha de S.Paulo

Operação Lava Jato teme derrotas em série no STF

Pessimismo vem de mudança na segunda turma e de decisão sobre delações

- Matheus Teixeira

Decisão recente sobre delações premiadas e mudanças internas no Supremo Tribunal Federal ameaçam o futuro da Lava Jato.

A avaliação no tribunal e no Ministério Público Federal é que a aposentado­ria de Celso de Mello trará danos a julgamento­s da operação.

O ministro, que se aposenta em novembro, integra a segunda turma, responsáve­l por julgar casos da Lava Jato. Pelas articulaçõ­es dentro da corte, seu lugar pode vir a ser ocupado por Dias Toffoli, que em 10 de setembro deixará a presidênci­a do Supremo.

Nesse cenário, Toffoli formaria maioria com os ministros Ricardo Lewandowsk­i e Gilmar Mendes para dar decisões contrárias ao trabalho dos procurador­es de primeira instância.

Soma-se a isso novo entendimen­to sobre questionam­entos às delações.

Recentemen­te, a pedido de pessoas implicadas nos relatos, o STF anulou uma colaboraçã­o premiada. Antes isso não era possível.

brasília A autorizaçã­o para delatados questionar­em colaboraçõ­es premiadas e uma possível mudança na composição da segunda turma do STF (Supremo Tribunal Federal) podem levar a Lava Jato a sofrer derrotas em série no Supremo.

A avaliação no tribunal e no Ministério Público Federal é que a troca de comando na corte, apesar de o ministro Luiz Fux ser um defensor do trabalho dos investigad­ores, deve trazer danos a julgamento­s relativos à operação.

Há na corte uma articulaçã­o em curso para que o ministro Dias Toffoli, que deixará a presidênci­a do STF em 10 de setembro, assuma o assento do ministro Celso de Mello na segunda turma a partir de novembro.

O colegiado é composto por cinco ministros e julga os principais casos relacionad­os à Lava Jato. Com a aposentado­ria de Celso e a nova formação, Toffoli formaria maioria com os ministros Ricardo Lewandowsk­i e Gilmar Mendes para dar decisões contrárias ao trabalho dos procurador­es de primeira instância.

Um argumento que tem pesado em favor da mudança é a ideia de preservar o ministro a ser indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o STF.

Como a segunda turma é o órgão natural para o julgamento de recursos do caso das “rachadinha­s” do senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ), o novo integrante do STF não precisaria enfrentar o constrangi­mento de analisar tema que afete quem o escolheu para a vaga.

A chegada de Toffoli ao colegiado daria ainda mais tração ao movimento de Lewandowsk­i e Gilmar, que têm se juntado há algum tempo para impor reveses ao trabalho da operação.

Como o ministro Celso de Mello está ausente por questões de saúde, os votos de ambos têm sido suficiente­s para derrotar a Lava Jato. Em julgamento penal o empate favorece o réu, e os votos do ministro Edson Fachin e da ministra Cármen Lúcia acabam sendo derrotados ao divergir dos colegas.

Foi o que aconteceu, por exemplo, na sessão do último dia 25 de agosto, quando, por 2 a 2, o colegiado anulou, a pedido de pessoas implicadas pelos relatos, a colaboraçã­o premiada firmada pelo Ministério Público do Paraná com um ex-auditor fiscal.

Mais do que o caso concreto, a decisão é importante porque cria um precedente que permite a terceiros impugnar delações.

Em 2015, o plenário do STF decidiu que as colaboraçõ­es só podiam ser questionad­as pelas partes signatária­s do acordo, ou seja, o Ministério Público e os próprios delatores. Gilmar e Lewandowsk­i, porém, entenderam que em casos de manifesta ilegalidad­e os atingidos podem acionar o Judiciário.

O julgamento foi concluído com voto de Cármen Lúcia, que havia pedido vista em novembro de 2019. A ministra seguiu a linha de Fachin ao afirmar que o plenário da corte já definiu que terceiros não podem questionar as delações.

Gilmar, porém, sustentou que o cenário do caso é repleto “de abusos e desconfian­ça na atuação das partes envolvidas no acordo” e justifica a revisão judicial.

A decisão animou advogados de investigad­os na Lava Jato. Na visão deles, o entendimen­to firmado abre brecha para todos alvos da operação procurarem a Justiça em busca da anulação de delações que os implicaram.

Em casos em que os ministros entenderem que houve ilegalidad­e no acordo, a tendência ainda é que os delatores mantenham os benefícios, baseado no princípio da boa fé da negociação que haviam fechado com o MP.

Além disso, a esperança dos advogados é que, uma vez confirmada a nova formação na segunda turma, com maioria crítica à operação, o colegiado também reveja outras decisões da Lava Jato contestada­s pela ala garantista do direito.

A ida de Toffoli para o colegiado que revisa as principais investigaç­ões contra políticos, porém, depende de outros fatores. Ao deixar a presidênci­a da corte, ele passará a ocupar o lugar de Luiz Fux na primeira turma do tribunal.

Em 1º de novembro, contudo, o ministro Celso de Mello irá se aposentar. Quando um assento fica vago, o integrante mais antigo da turma que está completa pode pedir para mudar para o outro colegiado.

Nesse caso, a prioridade para solicitar a substituiç­ão caberia ao ministro Marco Aurélio. O magistrado, porém, é um crítico histórico da dança das cadeiras nas turmas do STF e nunca exerce o direito de trocar a primeira pela segunda turma.

Assim, caso Marco Aurélio mantenha a mesma posição de sempre, a prioridade passará para Toffoli, segundo mais antigo. Nos bastidores do tribunal, a avaliação é que esse cenário serviria para evitar o constrangi­mento de o ministro a ser indicado por Bolsonaro analisar recursos contra a investigaç­ão sobre suposto esquema de desvio de salários no gabinete de Flávio Bolsonaro quando deputado estadual.

A estratégia seguiria o histórico do Supremo de tentar preservar o novo integrante do tribunal. Isso ocorreu, por exemplo, com o ministro Alexandre de Moraes, que foi indicado para o STF pelo então presidente Michel Temer, que era alvo da Lava Jato.

Ele entrou na vaga do ministro Teori Zavascki, morto em um acidente de avião em janeiro de 2017. Os ministros considerav­am ruim para a imagem do Supremo deixar Moraes no colegiado que poderia vir a julgar seu ex-chefe e ex-colegas de governo.

Foi nesta ocasião que o ministro Edson Fachin mudouse para a segunda turma e acabou sendo sorteado relator da Lava Jato em substituiç­ão a Teori. Moraes, por sua vez, assumiu o assento de Fachin na primeira turma.

Caso o cenário se confirme, a troca de comando do STF, que chegou a ser vista como uma esperança para a Lava Jato, uma vez que Fux é um dos maiores defensores da operação, pode ter o efei

to contrário.

Além da ida de Toffoli para a segunda turma, o poder de pauta do presidente está esvaziado devido à ampliação do plenário virtual instituída por Toffoli.

Agora, os ministros podem levar processos a julgamento no meio on-line sem depender do presidente do Supremo, responsáve­l por determinar a pauta do plenário físico, que atualmente se reúne por videoconfe­rência.

Além da posição em favor da Lava Jato nos julgamento­s, a proximidad­e de Fux com a operação se tornou evidente no episódio da Vaza Jato revelado pelo site The Intercept Brasil.

Em uma das conversas de Deltan Dallagnol, que chefiava a força-tarefa da operação, com o então juiz Sergio Moro, ambos deixaram claro que o magistrado do Supremo era uma das esperanças para as investigaç­ões na corte.

Logo após a abertura do processo de impeachmen­t contra a então presidente Dilma Rousseff (PT), eles conversara­m sobre o cenário interno no Supremo.

“[Fux] disse para contarmos com ele para o que precisarmo­s, mais uma vez. (…) Os sinais foram ótimos. Falei da importânci­a de nos protegermo­s como instituiçõ­es. Em especial no novo governo”, relatou Deltan. Moro respondeu: “Excelente. In Fux we trust”.

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Danilo M. Yoshioka/Futura Press/Folhapress Em domingo de sol, carreata a favor da Operação Lava Jato passa em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo
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Os ministros do STF Dias Toffoli, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowsk­i caminham para sessão
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Pedro Ladeira - 2.out.2019/Folhapress

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