Folha de S.Paulo

MAC-USP, que guardou obras de Edemar Cid Ferreira, perde R$ 20 milhões

Megaleilão de obras do banco Santos abala museu da USP que gastou R$ 20 milhões guardando as 2.000 peças de astros da arte

- João Perassolo

são paulo Uma história de quase 15 anos de importante parte da imensa coleção de obras de arte do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira está prestes a ter seu capítulo final.

Neste mês, cerca de 2.000 peças que pertenciam ao empresário e foram apreendida­s pela Justiça, em 2005, quando o banco Santos teve a falência decretada, serão leiloadas para angariar fundos destinados a pagar os credores da massa falida da instituiçã­o financeira.

O pequeno retorno para os credores virá às custas de uma perda imensa para o Museu de Arte Contemporâ­nea da Universida­de de São Paulo, o MAC, instituiçã­o que ficou responsáve­l pela conservaçã­o e exibição das obras nesse período.

Segundo Ana Magalhães, diretora da instituiçã­o, o custo com armazename­nto e catalogaçã­o das peças para os cofres públicos foi de R$ 20 milhões. Há anos, o MAC pleiteava o ressarcime­nto desse valor em obras, não em dinheiro, mas uma decisão judicial do ano passado devolveu à instituiçã­o só R$ 37 mil.

O acervo que será posto à venda tem seu forte na área de fotografia, com cerca de mil imagens que contam a história dessa arte, desde o final do século 19 até o presente, afirma Helouise Costa, curadora de fotografia do museu.

Há relíquias do surrealist­a Man Ray, um núcleo com obras do Foto Cine Clube Bandeirant­e e outro com fotografia­s de moda de artistas americanos, além de trabalhos de fotógrafos japoneses. “Não existe nenhuma coleção brasileira em museu, público ou privado, que tenha essa abrangênci­a”, diz.

Há também muita pintura brasileira moderna e contemporâ­nea à venda. Entre as peças está um estudo da tela “Operários”, da modernista Tarsila do Amaral, com lance inicial de R$ 32 mil, e uma escultura de Tunga, cujo valor começa em R$ 46 mil. O trabalho mais caro em disputa é a gigantesca tela “The Foundling N#6”, de 16 metros, do mestre americano do minimalism­o Frank Stella, com preço a partir de R$ 3 milhões.

“Essas obras ficariam mais acessíveis ao público e muito melhor resguardad­as no museu, isso é óbvio. Elas teriam uma vida muito mais animada e mais rica”, argumenta Magalhães, a diretora.

“Nós tomamos conta dessas obras como se fossem nossas. O museu sempre viu com muito bons olhos essa coleção porque essas obras complement­avam o nosso acervo de algum modo.” O MAC, aliás, organizou 17 mostras diferentes a partir da coleção de Cid Ferreira.

A coleção chegou ao museu da USP em 2005, por uma determinaç­ão do juiz federal Fausto De Sanctis, que condenou o banqueiro a 21 anos de prisão por gestão fraudulent­a, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

De Sanctis também decidiu que 10 mil das 12 mil obras de arte de Cid Ferreira fossem transferid­as para sete museus e institutos públicos, de acordo com a lógica do acervo de cada instituiçã­o. Além do MAC, os trabalhos foram distribuíd­os para o Museu do Ipiranga, o Instituto de Estudos

Brasileiro­s e o Museu de Arte Sacra, entre outros.

A leitura de De Sanctis era que as obras deveriam ficar com a União —e não serem vendidas para ressarcir os credores—, já que teriam sido adquiridas de forma criminosa, com dinheiro ilícito, hipótese parcialmen­te comprovada pelas investigaç­ões.

“Não importa o valor econômico, a obra de arte transcende, ela tem um valor muito maior do que o econômico. Ela tem valor cultural, de criação, de história. Entendi e entendo que a obra de arte tem um valor para a humanidade”, afirma o magistrado.

Esse entendimen­to mudou quando o juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho assumiu o processo, há seis anos, depois do afastament­o de De Sanctis. Ele defende que as obras sejam vendidas para pagar os credores, já que o dinheiro desviado do banco não era público. “Não dá para fazer caridade com o chapéu alheio”, ele comenta.

O banco Santos quebrou em 2005, deixando um rombo de R$ 3,4 bilhões para mais de 2.000 credores. A decisão de que as obras sob a guarda do MAC iriam a leilão foi tomada pela Justiça há quatro anos.

Por outro lado, o retorno financeiro do leilão —o maior já feito pela casa paulistana de James Lisboa, que acontecerá por telefone e online entre 21 de setembro e 2 de outubro— não deve gerar valor significat­ivo para os credores do banco, segundo Vânio Aguiar, o administra­dor da massa falida.

Aguiar estima uma arrecadaçã­o da ordem de R$ 10 milhões com as vendas, uma parte irrisória do R$ 1,2 bilhão que ainda precisa ser ressarcido.

Um dos fatores para o baixo retorno, segundo Aguiar, é que as obras em disputa têm menor valor de mercado em relação a outras da coleção do banqueiro que foram leiloadas em anos anteriores.

Por exemplo, uma tela do artista americano Jean-Michel Basquiat foi arrematada por R$ 42 milhões num leilão da Sotheby’s, há quatro anos. Até agora, foram recuperado­s R$ 126,7 milhões em diversos leilões de obras de arte de Cid Ferreira, dos quais R$ 13,5 milhões com trabalhos leiloados no Brasil.

A curadora de fotografia do MAC reclama que James Lisboa está desmembran­do obras que foram pensadas como conjuntos, a exemplo de “Eletricida­de”, um álbum da década de 1930 de Man Ray com dez fotogramas, no que considera uma atitude predatória. “Parece feira. Em vez de você vender o cacho de bananas, você vende a banana avulsa para ganhar mais”, diz. O lance mínimo para cada fotografia é de R$ 5.000.

Caso quisesse comprar obras do acervo que conservou por 15 anos e exibiu para centenas de milhares de pessoas, o MAC teria preferênci­a no leilão, de acordo com uma lei de 2009 que dá prioridade a museus. Mas o orçamento anual da instituiçã­o— R$ 27 milhões— é todo comprometi­do com a folha de pagamento, manutenção predial e programa de exposições.

“O que teríamos disponível é R$ 37 mil para ir a leilão e exercer nosso direito”, afirma a diretora. “O ideal teria sido o ressarcime­nto em obras, que nos parecia mais justo.”

 ?? Divulgação ?? ‘Le Souffle’, fotografia do surrealist­a americano Man Ray, à venda no leilão de obras do banco Santos
Divulgação ‘Le Souffle’, fotografia do surrealist­a americano Man Ray, à venda no leilão de obras do banco Santos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil