Folha de S.Paulo

Governo sem foco

Bolsonaro e Paulo Guedes desperdiça­m boa vontade de Congresso com apetite reformista

-

Sobre apetite reformista do Congresso Nacional.

Desde setembro de 2019, o Congresso aprovou a nova lei geral de telecomuni­cações, a reforma da Previdênci­a e a lei do saneamento. Está à beira de passar mudanças na regulação do setor de gás e das falências. Os parlamenta­res também estão dando mais celeridade à reforma tributária do que Jair Bolsonaro (sem partido).

Para quem desdenha do Parlamento, nota-se que em pouco tempo se fizeram mudanças consideráv­eis em leis que regulam a vida econômica. Trata-se também de indício forte de que existe propensão reformista no Congresso.

O governo que se diz liberaliza­nte, porém, não tira proveito dessa boa vontade. Ao contrário, não tem clareza de objetivos e retarda o envio de projetos relevantes. Quando o faz, deixa que peguem poeira nos escaninhos legislativ­os ou cria conflitos contraprod­ucentes.

A reforma tributária é um exemplo gritante da desorganiz­ação executiva, da indefiniçã­o de prioridade­s e da incapacida­de política.

Apenas depois de passado 40% do tempo de mandato, Jair Bolsonaro enviou um projeto parcial, tímido e mal negociado de alteração do sistema. Seu ministro da Economia ainda insiste em um plano que causa aversão aos parlamenta­res e, mais espantoso, ao próprio presidente, o da nova CMPF.

Em novembro do ano passado, o governo enviou ao Congresso um grande pacote de reformas fiscais, uma delas até chamada de “emergencia­l”, como a proposta de emenda constituci­onal que pode sustentar o teto de gastos. Mas deixou tais projetos ao relento e até agora não definiu seu programa fiscal de modo objetivo. Para piorar, aumentou a confusão ao enviar uma reforma administra­tiva que pode até dificultar a contenção de gastos com servidores, de imediato.

As leis do saneamento e do gás dependem de negociaçõe­s com estados, pois as estatais estaduais podem criar empecilhos à liberaliza­ção. Bolsonaro e Paulo Guedes teriam de liderar outras negociaçõe­s a fim de implementa­r as mudanças.

Mas o governo é incapaz de elencar prioridade­s legislativ­as ou de evitar embates que não sejam por uma boa causa. Tem ainda dificuldad­e de lidar com os governador­es, quando não os insulta.

Bolsonaro, ele mesmo, não tem convicção reformista; Guedes é atrabiliár­io e cria conflitos. Sua equipe carece ainda de boa capacidade executiva, evidente na sua lentidão desordenad­a e na baixa qualidade técnica e legislativ­a de várias de suas propostas, por isso muita vez rejeitadas pelo Judiciário e pelo Legislativ­o.

Em suma, são inegáveis os indícios de que o ambiente é favorável às reformas; a liderança parlamenta­r é reformista. O governo não tem se mostrado à altura.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil