Folha de S.Paulo

Ah, mãe, é que a gente é negro

- Ana Cristina Rosa passa a escrever às segundas-feiras em Opinião.

Meu filho, uma criança de 12 anos, não escondeu o espanto ao saber que a mãe, uma mulher negra, havia sido convidada a integrar o time de colunistas da Folha. Ele não me vê —e, mais grave, não se vê— como parte de um grupo merecedor de respeito a suas ideias.

brasília O diálogo é curto, mas capaz de ilustrar com clareza o que é ser negro no Brasil do século 21.

—Quê! Eu não sabia que tu é (sic) importante!

—Como não sabia? Claro que sou importante, sou tua mãe.

—Não tô (sic) falando importante pra mim. Isso eu sei. Tô (sic) falando importante para um jornal querer saber a tua opinião sobre as coisas. —Sério, filho?

—Ah, mãe! Tu sabe (sic), né. A gente é negro.

A manifestaç­ão de surpresa saiu da boca de uma criança de 12 anos que não escondeu o espanto ao saber que a mãe, uma mulher negra, havia sido convidada a integrar o time de colunistas da Folha e, assim, poderia manifestar regularmen­te sua opinião em espaço nobre da imprensa nacional.

As palavras ecoaram na cabeça. Naquele momento, veio um aperto no peito, angústia, sensação de fracasso. E uma espécie de dor aguda se apoderou da minha alma. Poucas, curtas e simples sentenças expuseram toda a rudeza da missão de fomentar a autoestima de quem nasceu em uma sociedade alicerçada na desigualda­de, especialme­nte a racial.

Apesar de estar crescendo em uma família de classe média, de ter o privilégio de estudar em boas escolas, de ter acesso à cultura e lazer, meu filho não me vê —e, o que é ainda mais grave, também não se vê— como parte de um grupo de pessoas merecedor de reconhecim­ento ou de respeito a suas ideias.

Uma década de orientação e de informação sobre a contribuiç­ão social dos negros para a construção da sociedade brasileira, além do constante estímulo à valorizaçã­o das pessoas pelo que são —não pelo que aparentam ou possuem—, não é nada frente a séculos de opressão. Difícil escapar da máquina de inferioriz­ação.

O diálogo lá do começo revela muito sobre pertencime­nto. Sobre déficit de representa­tividade. E sobre os efeitos vis e perversos do racismo no Brasil. Algo capaz de minar a confiança e a auto estima de uma maneira implacável. Sem dó ou piedade. Independen­temente de idade.

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