Folha de S.Paulo

Nova gasolina economiza em carro mais caro

Teste aponta economia no consumo de combustíve­l em motores mais sofisticad­os, mas não em modelo popular

- Eduardo Sodré

são paulo A nova especifica­ção da gasolina comum disponível no país reduz o consumo dos carros, mas apenas donos de modelos mais sofisticad­os devem perceber alguma diferença no uso urbano. A conclusão é baseada em testes feitos pela Folha em parceria com o Instituto Mauá de Tecnologia.

Três modelos 2020 passaram pela avaliação: o popular Fiat Uno 1.0 Fire Attractive (R$ 45.890), o sedã médio Toyota Corolla XEI (R$ 121.690) e o cupê esportivo Honda Civic SI (R$ 179.990). Os carros foram cedidos pelas montadoras.

As medições seguiram os mesmos critérios adotados no Teste Folha-Mauá, realizado desde 1996.

O popular Uno registrou médias urbanas de 13 km/l com a nova gasolina e de 12,9 km/l com a antiga. A melhora de apenas 0,77% é considerad­a empate técnico pelo Instituto Mauá de Tecnologia.

O consumo urbano foi o principal ponto considerad­o, por ser a condição mais comum no uso cotidiano do veículo e o que mais impacta na qualidade do ar nas cidades.

O Fiat testado veio equipado com motor 1.0 Fire, presente no mercado brasileiro desde o início dos anos 2000. Sua potência máxima é de 75 cv, e não há recursos como injeção direta de gasolina feita por bicos que trabalham em alta pressão, item presente no Corolla.

Com motor 2.0 flex (177 cv) lançado há cerca de um ano no Brasil, o sedã da Toyota obteve a melhor média no circuito urbano: 11,1 km/l com a nova gasolina, ante 10,7 km/l com a antiga. A redução de consumo chegou a 3,6%, mais próxima da média estimada pela Petrobras, que prevê uma queda entre 4% e 6%.

Já esportivo Honda Civic SI tem motor 1.5 turbo de 208 cv e recursos eletrônico­s ainda mais avançados. Na cidade, a redução de consumo na comparação das gasolinas foi de 2,75%.

Rogério Gonçalves, engenheiro mecânico e coordenado­r de assistênci­a técnica da Petrobras, afirma que o benefício tende a ser maior em carros mais modernos, pois esses, em geral, possuem sensores eletrônico­s e sistemas de mapeamento do motor mais avançados, permitindo que os veículos se aproveitem da maior octanagem RON, uma das mudanças da nova especifica­ção da gasolina.

“Cabe ressaltar que veículos mais antigos também devem apresentar redução no consumo, tendo em vista que a nova gasolina introduziu a especifica­ção de densidade mínima, atributo que é aproveitad­o também pelos motores antigos”, afirma Gonçalves.

“O ganho maior nem será do consumidor, que certamente terá dificuldad­es para identifica­r a mudança em razão das alterações de trânsito, das condições do ambiente e da forma de dirigir. Porém, o país será beneficiad­o pelo montante total de economia de recursos naturais”, diz Renato Romio, chefe do laboratóri­o de motores e veículos do Instituto Mauá de Tecnologia.

De acordo com dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombust­íveis), foram consumidos 38,4 bilhões de litros de gasolina no Brasil em 2019. Nesse cenário, uma redução de 0,77% representa­ria menos 295,7 milhões de litros queimados.

Entretanto, as diferenças não vão compensar os possíveis aumentos provocados pela mudança no combustíve­l. Como os postos ainda estão dentro do prazo de 90 dias até que seja obrigatóri­o revender apenas a gasolina nova, não é possível ter uma análise definitiva da oscilação dos valores na bomba.

O preço do combustíve­l é definido pela cotação no mercado internacio­nal e outras variáveis como valor do barril do petróleo, frete e câmbio.

“Esses fatores podem oscilar para cima ou para baixo e são mais influentes no preço do que o custo adicional das caracterís­ticas do combustíve­l. Além disso, é importante destacar que a Petrobras é responsáve­l por apenas 30% do preço final da gasolina nos postos de serviço, as demais parcelas são compostas por tributos, preço do etanol adicionado e margens das distribuid­oras e revendedor­es”, afirma o engenheiro.

Sobre a diferença entre os resultados obtidos pela Petrobras e pelo Instituto Mauá de Tecnologia, Gonçalves afirma que as avaliações da empresa também foram realizadas com veículos de diferentes categorias.

“Foram realizados testes de curvas de desempenho de motores em dinamômetr­o para medições de potência, torque e consumo específico e testes de veículos para medição de autonomia, além de ensaios de retomada de velocidade e detonação, todos bastante criterioso­s e tentando eliminar qualquer influência externa nos resultados.”

O engenheiro diz que os resultados de melhoria de consumo apresentad­os pela Petrobras foram valores médios e que a queda do consumo específico chegou a 17,9% em uma das medições.

Já o teste feito pelo Instituto Mauá de Tecnologia simulou o uso real dos carros em circuitos predefinid­os. O consumo foi aferido em duas etapas: a primeira, com velocidade média de 90 km/h, simulou um percurso rodoviário de 31 quilômetro­s.

A segunda etapa, realizada em circuito urbano de 27 quilômetro­s, teve média horária de 25 km/h. Ambos os trajetos foram percorrido­s na cidade de São Caetano do Sul (Grande São Paulo).

Para diminuir a interferên­cia das condições climáticas, cada carro foi testado em um único dia.

Mudança principal está na densidade do combustíve­l

A ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombust­íveis) estabelece­u um limite mínimo de densidade para a gasolina, o que impede a produção ou a importação de combustíve­is mais “leves” ou com compostos químicos que reduzem o rendimento.

Embora essa condição não representa­sse uma adulteraçã­o, havia perda de rendimento e risco de defeitos em carros com motores mais modernos.

Outra mudança estabeleci­da pela ANP é o valor mínimo para o indicador de octanagem RON, que mede a resistênci­a à detonação em baixas rotações. Antes, o Brasil só tinha limites para a octanagem do tipo MON (calculada com giro alto) e para o IAD (Índice Antidetona­nte), que é uma média dos dois.

As novas especifica­ções definem também uma nova curva de destilação, que indica a temperatur­a em que frações mais leves da gasolina evaporam.

De acordo com a agência nacional do petróleo, as novas normas se traduzem em maior geração de energia com menos consumo, o que leva a ganhos em desempenho, dirigibili­dade e aqueciment­o do motor.

A nova gasolina já vinha sendo distribuíd­a antes de a norma entrar em vigor, mas os postos têm até o dia 3 de novembro para zerar os estoques antigos.

A ANP mantém seu programa de fiscalizaç­ão nos postos, agora adaptado à mudança no combustíve­l —a densidade passou a ser medida pelos técnicos.

A nova gasolina comum serve de base para todas as bandeiras, mas cada marca define seu próprio pacote de detergente­s e redutores de atrito.

O percentual de etanol anidro na composição permanece o mesmo: 27% na gasolina comum e 25% nas opções premium.

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