Folha de S.Paulo

Bolsonaro desligou a Lava Jato

Direita é o cara que fugiu da cadeia enquanto liderava a luta contra a corrupção

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

Na semana passada, o STF concluiu o processo judicial mais longevo da história brasileira. Tratava-se de disputa entre, veja bem, a princesa Isabel e o governo brasileiro para saber quem é dono do Palácio Guanabara, onde trabalha seja lá quem a milícia tiver escolhido para ser governador do Rio de Janeiro. O processo durou 125 anos.

Mas a briga da princesa já tem concorrent­es para o posto de processo que demorou mais e deu em menos na história brasileira. Afinal, as investigaç­ões de corrupção chegaram à direita.

Resultado: em menos de uma semana, o governador do Rio, que nomeia o procurador-geral, que investiga a família Bolsonaro, foi trocado por outro governador, aliado de Bolsonaro. E a força-tarefa da Lava Jato de São Paulo renunciou porque a procurador­a indicada pelo PGR de Bolsonaro parecia disposta a melar as investigaç­ões.

Eu me lembro, jovens, da fúria santa que caracteriz­ava o clima político quando as investigaç­ões eram contra a esquerda. Mas chegouà direita, e, agora, caio governador para beneficiar o presidente,desmonta-se a Lava Jato na frente de todo mundo, e nada.

P orisso, sempre que você ouvira pergunta“oque significam esquerda e direita no Brasil de hoje?”, responda: esquerda é o cara que foi preso. Direita é o cara que fugiu da cadeia enquanto liderava a campanha contra a corrupção que prendeu o cara de esquerda. Centro é o procurador que entrou nesse negócio achando que ia mesmo poder prender todo mundo.

Quem matou as investigaç­ões de corrupção foi a extrema direita. Jair Bolsonaro, o candidato outsider de 2018 eleito na “eleição da Lava Jato”, foi quem matou a Lava Jato. Os generais que iam para o Twitter ameaçar golpe se absolvesse­m o Lula mataram a Lava Jato. Os bolsonaris­tas que não tinham “bandido de estimação” mataram a Lava Jato.

Mas e aqueles movimentos todos de rua, camisa de seleção, ética na política? Bom, o Vem pra Rua está pedindo o impeachmen­t do Aras, o procurador­geral da República. Isso, o do Aras, não o do Bolsonaro, esse impeachmen­t eles não querem.

Perguntem aos procurador­es da Lava Jato o que aconteceu no governo Bolsonaro e vejam se eles acham que a culpa é do Aras ou do Bolsonaro.

A esta altura, você pode perguntar: masa Lava Jato não era mesmo cheia de problemas, não estava na hora de acabar aquilo e seguir com a vida? É mais complicado que isso, mas, para facilitar, digamos que seja o caso.

Mesmo assim, perdoe-me por achar chato que acabe depois do meu lado ter perdido muito mais. É muito, muito ruim para a democracia que as instituiçõ­es possam ser ligadas e desligadas conforme o interesse de um dos lados do espectro político.

A própria esquerda está satisfeita com o fim da operação. Muita gente inteligent­e, gente que eu respeito, acha que os resultados do ciclo antissistê­mico dos anos dez foram tão desastroso­s que, a essa altura, qualquer acomodação ajuda.

Talvez eles tenham razão. O que eu ainda não entendi é por que eu devo confiar que o processo em curso seja um desmonte ideologica­mente equidistan­te, e não um aparelhame­nto bolsonaris­ta. O que me parece é que a capacidade de ligar e desligar as instituiçõ­es está se tornando mais, e não menos, concentrad­a nas mãos da turma de sempre.

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