Folha de S.Paulo

FHC faz mea-culpa e diz que reeleição foi um erro

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são paulo Em artigo publicado neste domingo (6), o expresiden­te Fernando Henrique Cardoso fez um meaculpa e disse ter sido um erro a instituiçã­o da reeleição no Brasil. FHC foi o primeiro presidente reeleito no país.

“Devo reconhecer que historicam­ente foi um erro: se quatro anos são insuficien­tes e seis parecem ser muito tempo, em vez de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto de tipo ‘plebiscitá­rio’, seria preferível termos um mandato de cinco anos”, afirmou no texto “Reeleição e crises”, publicado nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

“Tinha em mente o que acontece nos EUA. Visto de hoje, entretanto, imaginar que os presidente­s não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidad­e”, escreveu.

“Procurei me conter. Apesar disso, fui acusado de ‘haver comprado’ votos favoráveis à tese da reeleição no Congresso. De pouco vale desmentir e dizer que a maioria da população e do Congresso era favorável à minha reeleição: temiam a vitória... do Lula.”

A emenda constituci­onal que permitia a reeleição de prefeitos, governador­es e presidente foi aprovada pela Câmara em 25 de fevereiro de 1997, após uma série de articulaçõ­es iniciadas em 1995, no primeiro mandato de FHC.

Em 13 de maio daquele ano, reportagem da Folha revelou um suposto esquema de compra de votos para a aprovação da emenda. Em gravações obtidas pelo repórter Fernando Rodrigues, o deputado federal Ronivon Santiago (então PFL-AC) contava ter recebido R$ 200 mil para votar a favor.

Uma série de reportagen­s da Folha mostrou o envolvimen­to de mais três deputados do PFL: João Maia, Zila Bezerra e Osmir Lima. Dias depois, Ronivon Santiago e João Maia renunciara­m a seus mandatos.

Apesar de todos os indícios, o procurador-geral da República da época, Geraldo Brindeiro, não acolheu representa­ções que pediam uma denúncia ao Supremo Tribunal Federal. Tentativas de instalar uma CPI foram abafadas pelo governo, que tinha maioria no Congresso. O caso nunca foi esclarecid­o pelas autoridade­s.

Em junho de 1997, o Senado aprovou a emenda da reeleição. FHC foi reeleito em 1998, em primeiro turno, com 53%.

Em 2007, em sabatina da Folha, FHC admitiu a possibilid­ade de compra de votos, mas negou participaç­ão. “Houve compra de votos? Provavelme­nte. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB não foi. Por mim, muito menos.” Ele afirmou que o Planalto tinha maioria e não precisava de esquema. “O Senado votou em junho e 80% aprovou. Que compra de voto?”

Nos “Diários da Presidênci­a”, de 2016, reafirmou sua versão. “[As] compras de votos, se houve —e pode ter havido—, não foram feitas pelo governo, pelo PSDB e muito menos por mim”, escreveu.

Neste domingo, FHC voltou ao tema ao comentar o governo de Jair Bolsonaro, que a seu ver não está bem acomodado.

“É difícil mesmo. De economia sabe pouco; fez o devido: transferiu as decisões para um ‘posto Ipiranga’. Este trombou com a crise, pela qual não é responsáve­l. Não importa, vai pagar o preço: tudo o que era seu sonho, cortar gastos, por exemplo, vira pesadelo, terá de autorizá-los.”

Nesse cenário, e com o calendário eleitoral se impondo, FHC avalia que Paulo Guedes (ministro da Economia) terá de submeter seus planos de ajuste fiscal às vontades do presidente. “E tudo o que o presidente fizer será visto pelas mídias, como é natural, como atos preparatór­ios da reeleição. Sejam ou não.”

Encerrando seu mea-culpa, FHC defende “acabar com o instituto da reeleição e, quem sabe, propor uma forma mais “distritali­zada” de voto”.

Para o cientista político Jairo Nicolau, não faz sentido retomar agora o debate sobre reeleição. “O princípio da reeleição em si é bom. Na época, afora as suspeitas de compra de votos, a principal crítica feita era o próprio FHC se beneficiar da reeleição, e não o presidente seguintes. Mas, como princípio, a reeleição é positiva. Pesquisas indicam que prefeitura­s com administra­ções continuada­s têm políticas públicas mais eficientes.”

Nicolau afirma que a medida não deve ser avaliada em função de quem ocupa a presidênci­a. “Bolsonaro ser reeleito não vai fazer a regra ser ruim. A oposição deve buscar derrotá-lo nas urnas, não mudar as regras do jogo. O importante é ter um bom controle das eleições, dos gastos e atos dos governante­s que buscam um novo mandato. A reeleição em si não é um problema para a democracia brasileira.”

Já o também cientista político Jorge Zaverucha considera que um único mandato de cinco anos seria mais adequado.

“Isso evitaria o que FHC fez, usar a máquina para tentar aprovar a emenda e ter mais um mandato. E todos os demais usaram da máquina para se favorecer nas eleições. Não é saudável para a democracia. Em todos os países é difícil separar o que é Estado e governo. Em democracia­s que não são maduras, como a nossa, é mais complexo ainda.”

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