Com casos de Covid-19 em alta, Buenos Aires retoma boemia
buenos aires Os fins de tarde de setembro, em Buenos Aires, costumam ser lindos. A chegada da primavera traz temperaturas mais amenas, e um hábito tipicamente portenho se transfere de dentro dos bares e restaurantes para as ruas: tomar café ou uma taça de vinho em mesas na calçada.
Neste ano, tudo foi diferente por causa do coronavírus. Fechados por decreto desde março (funcionando apenas para delivery), os locais gastronômicos agonizam —30% deles já decretaram falência, e o resto luta para sobreviver só com a entrega em domicílio, que rende entre 5% e 8% do normal, segundo o setor.
A pressão dos estabelecimentos e da sociedade —que vem manifestando desconforto com a longa quarentena na região metropolitana de Buenos Aires, em vigor desde 20 de março— fez com que, neste fim de semana, restaurantes, cafés e bares pudessem reabrir, mas com restrições.
Foram permitidas mesas do lado de fora, com 1,70 m entre elas, e garçons com máscara. Os grupos não podem ter mais do que seis pessoas.
No papel, a proposta poderia parecer coerente. Os números de quinta-feira (3) até sábado (5) mostraram um aumento de 45% no faturamento. O problema é que, em boa parte dos lugares, as precauções não foram tomadas. Houve muita aglomeração, principalmente em bares de bairros frequentados por jovens.
A Folha percorreu as zonas de Palermo, San Telmo e Villa Urquiza, onde, além das mesas, estavam ocupadas as calçadas. Havia pouco respeito ao distanciamento social. Para poder beber, fumar ou conversar, a maioria das pessoas tinha as máscaras fora do lugar, no queixo ou no bolso.
“Estou assustado, estou aqui porque não posso perder meu emprego”, disse o garçom venezuelano Willy Romer, 24, que trabalha em uma cervejaria artesanal em Palermo. “Queríamos voltar a trabalhar por necessidade, mas assim estamos nos expondo muito.”
Num bar em San Telmo, seis adultos se apertavam numa mesinha, em torno de uma garrafa de vinho. “Sei que estaria mais confortável em casa, mas ninguém mais aguen“Não ta o confinamento, isso não é vida”, disse Chiara Pompeo, 34.
Os menos cautelosos eram, em geral, os mais jovens. “Já deu, ninguém aguenta mais, na Europa as quarentenas foram mais curtas, aqui os governantes não sabem resolver o problema e preferem trancar todo mundo em casa”, afirmou Ramiro Castro, 20, sentado numa calçada em frente a um bar de Villa Urquiza.
A reativação da vida boêmia de Buenos Aires chega num momento em que a curva de contaminações vem em rápida ascensão. A Argentina já está entre os dez países com mais infecções no mundo —são 471.806 casos e 9.807 mortes.
A quarentena foi rígida até julho, quando se começou a flexibilizar alguns comércios e indústrias não essenciais e foram liberados horários para atividades físicas e recreativas com crianças. As escolas continuam fechadas.
No começo da semana, a Sociedade Argentina de Terapia Intensiva lançou um apelo à população para que fique em casa o máximo possível. Segundo a entidade, os leitos de UTI encontram-se já perto dos 90% de ocupação. O Ministério de Saúde diz que a cifra real está entre 64% e 67%. é o momento de incentivar aglomerações, mas há um cansaço da sociedade e muita pressão para um retorno da gastronomia”, disse à Folha Javier Fariña, da Sociedade Argentina de Infectologia e membro do conselho que dá assistência ao governo sobre políticas sanitárias.
Para o especialista, as autoridades deveriam atuar mais na comunicação, com uma mensagem mais eficiente. Na semana anterior, o presidente Alberto Fernández afirmou que, se os casos continuassem a subir nesse ritmo, seria ativado o que chamou de “botão vermelho”, ou seja, se voltaria à estaca zero da quarentena.
A reabertura volta a pôr em choque o governo nacional (peronista) e o da capital (de oposição). O chefe de gabinete de Fernández, Santiago Cafiero, criticou no sábado (5) as autoridades da cidade de Buenos Aires: “Se continuarem não respeitando os protocolos, vamos ter de voltar atrás. E as imagens mostram que não está havendo respeito.”
Já o vice-chefe de governo da capital, Diego Santilli, do partido do ex-presidente Mauricio Macri, negou que estejam ocorrendo abusos.