Folha de S.Paulo

‘Porta giratória’ volta após banco contratar ex-assessor de Guedes

Especialis­tas apontam riscos de informação privilegia­da em contrataçã­o rápida de gestores públicos pela iniciativa privada

- Fábio Pupo e Bernardo Caram

brasília O Ministério da Economia perdeu recentemen­te dois membros de alto escalão para bancos privados, em mais uma rodada da chamada “porta giratória” do governo.

O fenômeno ocorre quando membros do governo passam a trabalhar para empresas em área análoga à anterior, o que gera riscos, na visão de especialis­tas em administra­ção pública.

O caso mais recente é de Caio Megale, ex-assesso respecial do ministro Paulo Guedes(Economia) e ex-diretor de programa da pasta. Ele pediu demissão em julho, foi dispensado de cumprir quarentena e, há cerca de uma semana, foi anunciado como novo economista-chefe da XP Investimen­tos.

O exemplo de Megale não é o único. O ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida pediu demissão em junho e será o novo sócio e economista-chefe do BTG. Nesse caso, ele cumpre um período de quarentena e só passará a trabalhar para o banco em janeiro de 2021.

Há inúmeros outros exemplos de membros da equipe econômica atualmente na iniciativa privada, principalm­ente em bancos. Eduardo Guardia, que foi ministro da Fazenda no governo de Michel Temer, é sócio do BTG Pactual e responsáve­l pela área de gestão de ativos do banco.

Ana Paula Vescovi (ex-secretária do Tesouro) é hoje economista-chefe do Santander Brasil. Ilan Goldfajn (ex-presidente do Banco Central) é presidente do conselho do Credit Suisse no Brasil.

Para especialis­tas, o movimento gera atenção. André Luiz Marques, coordenado­r do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, afirma que o profission­al demissioná­rio do setor público carrega consigo um arcabouço de informaçõe­s, inclusive estratégic­as, que podem ser usadas pela empresa privada.

“Quando a gente fala de setor público, há uma série de decisões que afetam pessoas e segmentos, então claro que há um nível de sensibilid­ade nas informaçõe­s.”

“Por exemplo, eu estou no governo e sei que está em estudo a alteração em um imposto, ou a flexibiliz­ação de alguma regra. Se tenho essa informação, posso operar com ela.”

“Por mais que você blinde para que a pessoa não leve documentos, por exemplo, não dá para arrancar o cérebro dela. O setor público tem que tomar esse cuidado”, afirma.

Ele diz que a exigência da quarentena pode mitigar esse risco, mas que a aplicação dessa regra varia de caso a caso. Em algumas situações, seis meses de resguardo pode ser um período curto demais, mas em outras pode ser excessivo.

Por isso, Marques diz que a dispensa antecipada da quarentena pode elevar os riscos, mas não necessaria­mente é prejudicia­l ao setor público se passar por uma análise bem fundamenta­da. “Se tiver rigor, não vejo como tão prejudicia­l.”

Ele também diz que a troca pode ser benéfica ao oxigenar os gestores do setor público com métodos da iniciativa privada. Mas, mesmo assim, considera que o tema deve ser discutido. “A gente tem que se resguardar para tudo, porque sempre tem vários exemplos desse tipo de subterfúgi­o.”

Wesley Mendes da Silva, professor da Escola de Administra­ção de Empresas de São Paulo da FGV, estuda a composição de conselhos de empresas e diz ser comum a presença de ex-membros do governo nessas cadeiras.

“Há, sim, uma preocupaçã­o em trazer pessoas que têm algum tipo de trânsito no governo”, diz. “Empresas e governos deveriam ter um distanciam­ento, serem desvincula­dos, o que não se verifica no Brasil”.

Para o pesquisado­r, a disputa no setor privado por profission­ais que já integraram a máquina pública existe porque as empresas brasileira­s são mais dependente­s do governo do que em outros países.

“Ou ela faz isso ou ela morre. Um banco, por exemplo, trazer uma pessoa que foi do Ministério da Economia é uma forma de sobrevivên­cia”, aponta. “[Mas] é uma certa promiscuid­ade nas relações, algo muito ruim que traz ineficiênc­ias e ruídos.”

O professo diz que esse tipo de estratégia pode representa­r um tipo de lobby, que é reconhecid­o nos EUA, mas não tem regulament­ação no Brasil. Segundo ele, essas relações trazem riscos para o governo e não são garantia de sucesso para o mundo corporativ­o.

“É arriscado para as empresas depender de contato com o governo. As circunstân­cias mudam no governo, e os planos da empresa podem dar errado. Essa relação de dependênci­a é muito nociva”, afirma.

Para Silva, mecanismos existentes hoje para mitigar riscos, como a quarentena, são apenas paliativos e não eliminam o problema, que só seria resolvido com uma mudança cultural no país.

A lei exige que a Comissão de Ética Pública do governo deve ser ouvida sobre a necessidad­e de cumpriment­o de quarentena de ex-ocupantes de cargos de ministro de Estado e de natureza especial, além de presidente, vice-presidente e diretor de autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista e ainda de cargos de comissão superior.

Toda autoridade que estiver deixando um desses cargos e que pretenda exercer atividade privada deve formular a consulta. Caso não seja dispensada, deverá permanecer em quarentena de seis meses (período em que continuam recebendo salários).

Empresas afirmam que obedecem à legislação em vigor

Procurado, o BTG Pactual afirma que está sempre em busca dos melhores profission­ais para integrar a instituiçã­o, independen­temente de sua atuação prévia ter sido na iniciativa pública ou privada e que, ao contratar ex-servidores, obedece à legislação.

“Mansueto cumprirá integralme­nte seu período de quarentena sem nenhum vínculo com o BTG Pactual e só passará a atuar como economista­chefe global a partir de 18 de janeiro”, diz o banco, em nota.

Já a XP informou que “segue rigorosame­nte a legislação prevista para a contrataçã­o de ex-servidores públicos”.

Megale e Mansueto não quiseram se manifestar.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil